Cap. 03,1:

Conto de Salém como (Seguir)

Parte da série OS FILHOS DA LUA

- Ele ainda nem é treinado e já rastreou e matou Saul.

- Foi um acidente.

- Ah, sim? E Elijah?

Não havia explicação, e Noah sabia disso. Elijah era um guerreiro de séculos de idade e treinamento invejável, líder de um exército de Demônios que dedicavam a vida à arte da guerra e da defesa. Era poderoso, o melhor em seu ofício, como Jacob, e mesmo assim...

- Não posso explicar - Jacob admitiu relutante.

- Ele o estava protegendo. - a rei apontou com sabedoria e precisão irritantes. Uma calma que resultava da certeza de que estava imbuído. - Instinto.

- Noah, ele é humano! Tudo que aprendi em séculos de vida diz que não podemos ser parceiros na vida! Vou acabar machucando Isac! Já machuquei...

- Vocês... ?

- Não! É claro que não! Já disse que tenho medo de machucá-lo. E, se as coisas houvessem chegado a esse ponto, você, Elijah ou Legna teriam me desmascarado.

- Ontem, quando você foi procurá-lo na biblioteca, ninguém o seguiu.

Jacob olhou para o Rei com olhos cheios de desconfiança. - Você sabia.

Era uma afirmação, não uma questão. A pergunta estava implícita, e ambos sabiam qual era.

- Jacob, você agiu bem. E eu não esperava que fosse diferente. Afinal, você é o Defensor.

- Eu quase não consegui evitar, Noah. Não posso explicar a intensidade. Quando estamos próximos, quando ele olha para mim... Eu perco a noção do que é certo.

- Bem, é o que acontece, se estivermos corretos na nossa interpretação da profecia. E, nesse caso, o certo seria tomá-lo.

- Como pode ser tão casual? Usaria essa criatura para um experimento dessa magnitude? E me usaria? Sabendo que pode matá-lo e me condenar eternamente?

- Melhor vocês dois do que toda a raça. Estou falando como líder, Jacob. Meu papel é fazer esse tipo de escolha: o bem-estar da coletividade, ou o bem-estar de um individuo... ou dois, nesse caso. E não me olhe com esse ar de condenação. Você faz as mesmas escolhas cada vez que pune um de nos por desvio ou incontinência de conduta. Fez a mesma escolha quando informou Myrrh-Ann de que ia rastrear Saul, mesmo sabendo que nenhum Demônio jamais foi resgatado de uma intimação intacto, que seria forçado a matá-lo. Conhece os tabus, Jacob, mas também conhece nossa crença no destino. Se Isac é essa pessoa, não há nada que possamos fazer. Você se rebela, mas sinto que, em seu coração, já sabe que ele é seu parceiro na vida. O único ser a inspirar a lealdade do Defensor, pelo menos que eu tenha testemunhado. O único humano que conseguiu tentá-lo, com ou sem lua sagrada. Vive há mais de meio de milênio, Jacob, e agora, nesse momento, é atraído por alguém pela primeira vez. Atraído a ponto de ir contra tudo que aprendeu na vida. Ele é seu, Jacob. É seu destino, e você e o dele.

- Não vou forçá-lo a aceitar nossas profecias.

- Não pode escolher. Se ele não fosse humano, eu diria que já estão nos primeiros estágios da marca. A conexão telepática, a inegável tentação de se unirem fisicamente...

- Ele é Humano, e a marca não se aplica a ele. Mal se aplica a nós! Não há uma marca há mais de dois séculos, e antes dessa ultima, houve um período igualmente longo sem ocorrências. Por mais que tente manipular a situação, não vou deixar que me convença. Não vou forçá-lo a nada.

-Jacob, o destino sempre se impõe. Você não vai forçá-lo, porque não será necessário. E ninguém aqui esta sugerindo que o faça. Vai acontecer. Simples assim.

- Eu jamais devia ter trazido Isac para o nosso mundo.

- Estava escrito.

- Eu devia... Podia...

- Já está apaixonado por ele, não é?

- Não ouse adivinhar meus sentimentos! Já é terrível sentir que um velho pedaço de papel pode decidir meu futuro e escolher quem será meu parceiro.

- Jacob, vou desistir, pelo menos por enquanto. Existem outras questões exigindo nossa atenção. A introdução daquelas profecias e histórias em nossa cultura terá ramificações poderosas e encontrará grande resistência. Se você, que precisa de desculpas e justificativas para estar com Isac, está resistindo, imagine o que puristas fanáticos como Ruth vão dizer!

A idéia plantou a semente do medo no coração de Jacob.

Finalmente, ele se voltou para Noah.

- Está dizendo que minha vida pessoal é nada comparada a como essas outras questões vão me afetar?

- Você é o Defensor. Haverá caos, Jacob. Vou tentar facilitar as coisas para você, na medida do possível. Começarei informando os acadêmicos, e depois, com o tempo, falarei com o Conselho.

Jacob viu a sabedoria nessa decisão e, num momento de lucidez em meio ao caos, percebeu porque Noah estava destinado a liderar seu povo, enquanto a eles cabia segui-lo e servi-lo. Com o apoio dos acadêmicos, ninguém poderia refutar com lógica as declarações do Rei, nem mesmo os anciões. Mais uma vez, Noah comprovava sua sabedoria. E mesmo que encontrasse resistência, apoiado por essa certeza, ele poderia convocar guerreiros e defensores para apoiá-lo, caso houvesse dissensão. A possibilidade de comoção civil inquietava Jacob. Ele olhou para o jovem adormecido no sofá. Isac caíra de uma janela e pusera em movimento uma cadeia de eventos de magnitude inimaginável.

- Olhe bem para esse rosto, velho amigo - Noah comentou com um sorriso cansado. - Porque ele pode ser o mesmo rosto que vai tirar do cais centenas de navios.

Isac abriu os olhos piscando algumas vezes, o tom negro se expandindo enquanto as pupilas se encolhiam atacadas pela luz. Ele moveu a cabeça devagar e gemeu quando um músculo dolorido na nuca protestou. O sangue latejava em seu cérebro. Tinha uma horrível dor de cabeça. Estava deitado em uma cama confortável, sob lençóis macios, e sentia dedos suaves tocando os dele, acariciando, confortando.

- Não se mova, Isac. Fique quieta. Esta seguro aqui.

- Sim, sentia-se seguro. Aos poucos, ia recobrando a consciência e percebia que estava aninhada em outro corpo com a cabeça apoiada sobre um braço que não era o dele. Estavam juntos na cama, mas a descoberta não o inquietava nem o amedrontava. Jacob não o deixara sozinho. Mantivera-se próximo, tanto quanto era possível, velando seu sono e acompanhando com atenção cada movimento de seu corpo.

- Jacob - ele murmurou com voz terna.

- Sim, sou eu. Como se sente?

Ele deslizou a mão sobre o lençol ate entrelaçar os dedos nos dele. Jacob segurou sua mão e a afagou.

- Estou surpreso por ainda não ter começado a me espancar - ele observou rindo.

- Ainda estou acordando. Mas posso chutar seu traseiro mais tarde.

- Obrigado por me prevenir.

- Na verdade, acho que vou chutar o traseiro de Noah. Isso me faria sentir melhor.

- Faça isso. Eu também me sentiria melhor. - Jacob tocou seu rosto novamente, os dedos acariciando a pele acetinada. O polegar alcançou o lábio carnudo e tentador.

- Pode responder uma pergunta?

- Você vai perguntar porque tem a sensação de que nos conhecemos há séculos, se só nos encontramos há alguns dias?

- Trapaceiro! ,

- Desculpe. Você tem a mente aberta demais. É irresistível.

- Isso é um pedido de desculpas? Parece mais um ataque ao meu caráter!

- Quer ouvir minha resposta, ou prefere debater a semântica em torno de quem deveria ter formulado a pergunta?

- A resposta tem a ver com profecias e destino? Porque, nesse caso, acho que terei uma terrível dor de cabeça.

- Na verdade, estou mais inclinado a apelar para a velha teoria da química.

- Ah... Bem, isso soa mais normal. Praticamente humano, para dizer a verdade.

- Morda a língua - ele brincou.

- Você primeiro.

- Ah, agora esta flertando comigo? Ela suspirou com ar dramático.

- Não fui muito sutil, não é?

Jacob riu, incapaz de resistir ao impulso de beijá-lo. Depois, ele o virou entre os braços, aninhou-o contra o peito e o manteve colado ao seu corpo.

- Não consigo decifrá-lo. Quando penso que vai desistir de tudo e partir, você fica. Não entendo sua lógica, mesmo penetrando em sua mente.

- Deve ser porque minha mente racional toma a frente sempre que fico perturbado. Os sentimentos são banidos para um segundo plano. Começo a pensar. Tento entender motivações, ver a razão nelas. Quando você percebe que todos estamos lutando pela sobrevivência e por paz de espírito, embora cada um tenha seus métodos, confronto e ressentimento perdem o sentido.

- Isac?

- O que é?

- Se você for mesmo meu parceiro de vida se é esse seu destino... Juro que serei a criatura mais afortunada do planeta. Não sei se você poderia dizer o mesmo, mas...

Isac levantou a cabeça, apoiando-se sobre um cotovelo para poder encará-lo. Talvez ele não percebesse mas cada vez que movia a cabeça, as mãos dele acompanhavam o movimento, encontrando meios de tocar seu rosto e afagar seus cabelos.

- Por que é sempre tão duro com você mesmo?

Uma emoção indecifrável passou como uma nuvem pelos olhos do Defensor. Isac suspeitava de que ele filtrava as respostas. Estava começando a perceber que ele sempre pensava com muito cuidado antes de falar.

- Estou habituado a ser sempre alvo de sentimentos negativos. Sou considerado um mal necessário.

- Não é o que Noah pensa sobre você.

Jacob refletiu por um momento antes de assentir.

- Sim, eu sei. Mas nunca tive de conter Noah ou alguém da família dele. Nos últimos quatro séculos, raras foram as famílias cujos membros não foram tocados pelas ações de um Defensor. A punição é severa e nunca é esquecida. E não me peca que dê detalhes, porque me nego a falar sobre isso. É suficiente saber que esses atos, embora necessários, não conquistam grandes amizades.

- E você? Alguém vai ter de puni-lo por minha causa? Pela preocupação estampada em seus olhos, era claro que a idéia não o agradava.

Jacob não respondeu de imediato. Como poderia? Esse era um território novo para todos ali. Como poderia fazer afirmações convictas? A constatação o inquietava. Vivera sempre com uma inabalável clareza de propósito, mesmo que os propósitos em questão causassem alguns desconfortos. Agora havia apenas confusão, mistério e especulação.

- Honestamente, não sei, Isac - ele disse com tom suave, revelando nos olhos a confusão e a inquietação. Quanto mais fundo mergulhamos nessa situação, mais eu percebo como sei pouco sobre coisas que antes julgava dominar perfeitamente. É difícil para um homem aceitar esse tipo de constatação.

- É difícil para um homem humano também - ele respondeu, obrigando-o a lembrar o quanto sua vida havia se transformado em um curto espaço de tempo. - Num dia sou bibliotecário, no outro me vejo caçando Demônios. - Ele sorriu e revirou os olhos num gesto cômico, mas havia grande apreensão por trás das palavras aparentemente leves. - E depois de saber como sua sociedade o trata pela posição que ocupa, nem quero pensar em como ela reagira a um humano no papel de Defensor.

- Vai haver choque e divergência, certamente, mas tenho confiança em minha comunidade, meu pequeno. Somos inteligentes, dedicados a idéia do Destino, e solidamente estruturados sobre a base de nossas filosofias e profecias, por mais desagradáveis que possam parecer em alguns momentos. Vamos nos adaptar.

Só ao pronunciar essas palavras, Jacob percebeu que realmente acreditava nelas. E também percebeu que agora falava sobre a profecia como um fato consumado, indiscutível e certo. Espantava-o constatar que reagia com tanta naturalidade, depois de ter discutido com Noah, tentando refutar justamente essa mesma conclusão. A convicção devia ter vindo posteriormente, e declará-la fez bem a ambos, porque ele o sentiu relaxar.

Isac aconchegou-se junto dele e franziu a testa, refletindo sobre o que acabara de ouvir. Essa era uma das coisas que Jacob mais apreciava nele, a disposição para pensar em todos os assuntos com honestidade e franqueza, sem preconceito. Era isso que fazia dele uma criatura excepcional, e não precisava de uma profecia para saber disso.

- Por que seu povo precisa de dois Defensores? Você é bom no que faz. Não precisa de mim.

- Não é verdade - ele respondeu com voz baixa e contida, mas envolvente. Precisava dele. E sentia essa necessidade havia muito tempo. Só agora começava a entender essa profunda carência. Mesmo assim, não podia pronunciar as palavras, não podia pressioná-lo expondo seus desejos pessoais. Se Isac escolhesse esse caminho, não queria que fosse por ele. Ou melhor, não queria ser a única razão dessa escolha.

Quando ele não elaborou a resposta, Isac decidiu abandonar o assunto temporariamente. Ainda não via a questão como ele a enxergava, mas, talvez, com o tempo, pudesse adquirir essa mesma perspectiva.

- Acha que é verdade, Jacob? Acredita mesmo que eu sou a criatura citada pela profecia?

- Eu já disse que acredito. E você desmaiou, caso tenha esquecido. - Ele expressava com as palavras o remorso que sentia, e um dedo tocou o curativo que cobria o corte em sua testa.

Isac levou a mão à testa e encontrou o curativo. A região estava um pouco dolorida, mas não sentia a dor esperada. Ele tentou identificar como a bandagem havia sido feita tateando-a, sem saber qual era a gravidade do corte. Antes que Jacob pudesse protestar ou detê-lo, ela removeu o curativo.

No mesmo instante, o ar em tomo deles se alterou, como se adquirisse uma nova e inusitada densidade. Jacob ficou paralisado, tenso. O corpo até então relaxado, adquiriu a consistência de uma intransponível muralha de músculos. Os olhos treinados permaneciam fixos no rosto dele, e era evidente que o Defensor esperava uma reação.

- O que foi? - ele perguntou ao ver a expressão chocada.

- É muito grave? - Tocou o ferimento mais uma vez.

- Era... Foi difícil conter o sangramento, mas... - Jacob mal conseguia falar. Era como se não pudesse expressar a idéia em voz alta por medo de não ser verdadeira.

- Mas o que?

- Cicatrizou. Resta apenas uma pequena marca, um hematoma leve, mas... o corte fechou.

- Está falando sério? Mas... Por quanto tempo fiquei desacordado?

- Algumas horas. Poucas.

- Ah... - Ele mordeu o lábio, seus olhos fixos nos dele.

- E isso tem algum significado para você, não é?

- Sempre teve essa cicatrização tão... rápida?

- É claro que não. Nunca tive nenhuma característica diferente da media dos seres humanos.

- Não tinha - ele anunciou. - Agora você cicatriza como nos.

- Eu... Ah, sim?

Jacob não disse mais nada. Nem uma só palavra. Em vez disso, estendeu as mãos para os botões da blusa de Isac, os dedos longos manipulando o cetim macio com facilidade e abrindo a blusa antes que ele pudesse piscar. Sem se deter, ele a despiu expondo os ombros.

Os olhos de Jacob, tão escuros e atormentados por sentimentos inconfessáveis e intensos, buscaram o local onde ele o marcara no dia anterior. O polegar deslizou pele pálida e perfeita, procurando por um pequeno sinal, uma irregularidade qualquer onde, havia um dia apenas, uma marca brutal fora deixada sobre seu corpo.

- Sim: - Ele o encarou com expressão muito séria.

- Por quê? Como? Você é... Você é... contagioso, ou algo assim?

- Acho que não - Jacob sorriu. - Já tivemos outros contatos com humanos e isso nunca aconteceu.

Comentários

Há 2 comentários.

Por Anjinho Sonhador em 2016-06-30 06:36:40
maravilhoso, estou ancioso para ler o proximo capitulo, sua seri esta incrivel.
Por Lycan em 2016-06-29 22:07:58
por favor poste logo o próximo capitulo estou louco para ler adoro sua serie continue assim ela esta perfeita