Cap. 01,5:

Conto de Salém como (Seguir)

Parte da série OS FILHOS DA LUA

Um segundo depois ele teve a sensação de que seu peso havia desaparecido. o corpo adquiria a consistência de uma nuvem de poeira, o que fazia o vento passar por ele sem encontrar resistência. Estilhaços e escombros arremessados em sua direção também o atravessavam sem causar dano. o desconhecido praguejou, e ele soube que ele pretendia causar mal a Jacob, em quem estava concentrado agora. Podia sentir o poder que emanava do gigante e via as correntes de ar que atingiam Jacob com a força de emanações nucleares. Quando a lateral da casa foi arrancada pela força de uma nova explosão e Jacob foi arremessado para o lado de fora, Isac recuperou a solidez. O reencontro dos pés com o chão foi abrupto e desajeitado.

Aquela altura, ele agia guiado puramente pelo instinto.

Jacob salvara sua vida e agora corria perigo, e precisava fazer alguma coisa. Antes que um segundo transcorresse, ele estava novamente se movendo como se não tivesse solidez. Como se o espírito de Bruce Lee o houvesse possuído, ele chutou a cabeça do agressor com violência espantosa. Girou no ar e chutou novamente, sentindo grande satisfação por ouvir os gemidos de dor do gigante. Um dos pés atingiu o nariz dele.

O intruso foi arremessado para trás pelo impacto e caiu de costas no chão. Antes que pudesse recuperar-se, ele recebeu sobre o peito o impacto do corpo de Isac, que o ameaçava com um objeto que agarrou aleatoriamente. Era um vaso muito pesado. Não era um bastão de metal, mas sabia que podia causar grande estrago com aquilo. Por isso o direcionou para a cabeça do desconhecido com toda a confiança que emanava de seus poros.

- Não, espere! - Ele levantou as mãos para proteger-se, e o gesto o fez hesitar por um instante. - Eu só queria protegê-lo!

- Mentira! - Ele preparou o vaso novamente.

- Eu juro! Escute, por favor! Ele o teria destruído. Não entende o que acontece aqui, menino tolo?

- Ah... Não é muito sensato insultar um "menino tolo" que tem nas mãos um vaso que pode esmagar sua cabeça - ele ameaçou, balançando o vaso ate sacudir as folhas da planta. - E eu é que sou o tolo?

- Que diabo esta acontecendo aqui?

Isac e o estranho se olharam, percebendo que nenhum dos dois havia falado, embora pensassem na mesma pergunta e a tivessem na ponta da língua. Eles se viraram para outro estranho, um homem de cabelos escuros, avermelhados, cercado por uma aura de poder que lembrava muito a atitude de Jacob.

- Noah! - o primeiro desconhecido exclamou. - Tire esse furacão de cima de mim!

- Mais um passo em minha direção, e esmago a cabeça dele com o vaso - Isac ameaçou.

Noah não se moveu, mas também não parecia muito preocupado. Pelo contrário, ele dava a impressão de que explodiria em gargalhadas a qualquer momento. Ele o estudava com uma expressão debochada, curiosa, e foi quando Isac percebeu que a camisa aberta expunha seu peito e abdômen.

Chocado, ele soltou o vaso para fechar a camisa e segurá-la contra o peito. O vaso se partiu ao lado da cabeça do invasor, cobrindo seu rosto de terra. Ele praguejava furioso, e o menor se levantou apressado, decidindo que seria melhor não estar por perto quando ele recuperasse a mobilidade.

Ficou assustado quando o gigante se levantou de um salto e cuspiu uma seqüência de palavras que pareciam ser palavrões em um idioma estrangeiro. Recuou mais alguns passos, tentando se manter fora do alcance daquelas mãos enormes quando ele voltasse a enxergar. o desconhecido loiro removia a terra das roupas e dos cabelos, sacudindo a cabeça para livrar os cabelos de fragmentos de planta. Isac continuava recuando, os olhos fixos nos dois estranhos, as mãos ainda segurando a camisa.

Noah viu o jovem de cabelos de negros olhar em volta com a atenção de um caçador. O Rei tinha muitas questões, mas não esperava obter todas as respostas. Não dele. Por isso se concentrou no outro homem na sala.

- Elijah, pode me explicar o que esta acontecendo aqui? O loiro olhou para o Rei com expressão descontente.

- Eu estava passando por aqui e senti uma forte mudança na atmosfera. Foi uma alteração tão intensa que meus pés literalmente deixaram o chão. Investiguei e comprovei uma alteração na força gravitacional. Um efeito colateral de... Bem, Jacob estava descontrolado. Ele estava... Eu o encontrei... - Elijah baixou a cabeça com evidente desconforto. - Ele se relacionava com esse menino... ou estava bem perto disso. Eu o detive a tempo.

- Jacob? - Noah o encarou perplexo. o choque era tão obvio em sua voz e na postura do corpo, que Isac se sentiu insultado.

- Ninguém pediu que você interferisse - ele disparou irritado, os olhos lançando faíscas para Elijah. - Não e da sua conta se Jacob... se relaciona comigo.

- A explicação é longa - Noah interferiu.

- Tenho tempo de sobra.

- Parece cansado - Noah comentou enquanto se aproximava e movimentava os dedos, mantendo o contato visual.

Isac piscou, invadido por uma súbita exaustão, e bocejou. Mesmo cambaleando, ele mantinha os olhos abertos e o queixo erguido.

Noah ficou tenso. Elijah estava boquiaberto.

Noah manipulou sua energia pessoal um pouco mais, sugando literalmente toda a força do corpo de Isac, e com uma determinação que Elijah podia sentir na própria pele como uma corrente elétrica. Isac recuou como se recebesse um golpe físico. Impotente diante do impressionante poder de Noah, ele caiu sem forcas, encolhido numa posição fetal, adormecendo rápido.

Jacob abriu os olhos e foi imediatamente dominado pela dor. A cabeça parecia pulsar sobre os ombros, mas, mesmo assim, ele se sentou devagar, notando as duas presenças na sala, uma escura e nebulosa, outra mais clara, mas igualmente sem foco.

- Noah e... Que diabo estão fazendo aqui? - ele disparou ao reconhecer Elijah, cedendo a hostilidade, embora nem pudesse explicá-la.

- Salvando sua pele - respondeu Elijah, sorrindo de forma a exibir os dentes brancos e perfeitos. Ele era uma combinação intrigante de jovialidade e força primitiva.

- Não! Está mentindo! - Jacob respondeu ultrajado, ferido em seu orgulho pela simples idéia de precisar de um salvador.

- Sinto muito, amigo, mas o que ele diz e verdade. Jacob olhou para Noah. o rosto do monarca sugeria gravidade e seriedade.

- Olhe, Jacob - Ele apontou para alguém que dormia no sofá da sala de sua casa.

Isac.

Encolhido como um gato e respirando profundamente, emitindo um som rouco que brotava de sua garganta cada vez que ele exalava o ar. Profundamente adormecido, parecendo um anjo etéreo e...

E machucado.

Ele olhou horrorizado para as marcas deixadas por seus dedos no pescoço e na parte superior das pernas do menor. Tudo voltou numa enxurrada de imagens, as implicações atingindo-o como um soco no estomago, roubando-lhe o ar enquanto o rosto ardia de vergonha e terror.

- Oh, não... - ele gemeu, demonstrando desanimo e devastação com as palavras simples.

- Mantenha a calma, Jacob - Noah disse apressado. Elijah chegou em tempo de impedir o pior.

Por pouco, Jacob lembrou. Ainda podia sentir os reflexos da luxuria, o desejo por Isac, um sentimento que o dominara completamente. Lembrava-se de quanto havia estado próximo de possuí-lo, de toma-lo como seu, e para o diabo com as conseqüências. De fato, as conseqüências não haviam integrado seus pensamentos nem uma única vez. Mesmo agora, apesar do desespero causado pela falta de controle, não conseguia se livrar da urgência de chegar mais perto dele, de tocar o corpo menor, abraçá-lo e senti-lo, de absorver seu calor mais uma vez e saborear o gosto daquela boca. Era um sentimento opressor, envolvente, uma necessidade visceral, e estava tomado pela aterrorizante convicção de que nunca seria capaz de remover de sua alma essa necessidade. Nunca.

- Eu... nunca tive a intenção de feri-lo - Jacob declarou em voz baixa. A ironia de repetir as mesmas palavras pronunciadas por Kane despertava uma ira profunda. Revoltava-se contra a própria fraqueza, e sentia-se humilhado e ultrajado por constatar que aqueles por quem tinha grande respeito haviam testemunhado suas atitudes condenáveis.

- Sabemos disso - Noah respondeu sereno, controlado, esperando poder confortar o velho amigo. - O que não sabemos é como ele veio parar em sua casa. - Ele se inclinou para frente. - De onde tirou a infeliz idéia de trazer a tentação para o seu território? Você não é infalível, Jacob, mesmo sendo o Defensor. Também pode sucumbir a loucura da lua sagrada.

- Eu sei disso!

- Então por que o trouxe para sua casa? - insistiu Elijah.

- Porque ele... porque precisava entender algo sobre ele. Esse homem não é um humano comum.

- Não mesmo! - Elijah concordou tocando o nariz inchado.

- O que o faz pensar que ele e incomum? - quis saber o Rei.

Jacob respirou fundo antes de fazer a revelação. - Ele matou Saul.

Os dois Demônios ficaram em silencio. Perplexos. Jacob levantou-se e foi se sentar no braço do sofá onde Isac dormia, um gesto que denotava a evidente intenção de protegê-lo.

- Isso é impossível - Noah manifestou-se.

- Eu vi com meus próprios olhos. Saul havia sido completamente transformado. Errei ao calcular seu poder, sua força... Há muito não lutava com um Demônio alterado. Ele me feriu com alguma gravidade, mas ele o deteve.

- A pequenina criatura humana matou um de nós? Elijah indagou incrédulo. - Ele devia estar inconsciente. Incapacitado.

- Essa mesma criatura tão pequenina quebrou seu nariz, Elijah - o Rei lembrou. - Você estava inconsciente ou incapacitado? - Noah tinha a testa franzida. Nunca ouvi falar em nada parecido - ele confessou balançando a cabeça. - Fez bem em trazê-lo, mas devia ter nos contado antes. Pôs em risco sua vida e a dele, Jacob, e não entendo por que agiu dessa maneira. Se o homem matou Saul, podia atentar contra você também. E o que Elijah contou sobre você e ele...

- Não tenho explicações. Não sei explicar nada do que aconteceu nas ultimas horas. Eu... simplesmente sabia que ele não representava perigo para mim. E mesmo sabendo como essa criatura me afeta, ainda não a considero uma ameaça. Também sei que não represento uma ameaça para ele. Não posso explicar, Noah! Sou o Defensor ha quatrocentos anos. Nunca, nem uma única vez durante esses quatro séculos, eu hesitei, vacilei ou perdi o controle. Nunca sequer passou pela minha cabeça a idéia de ceder a um impulso tão primitivo e devastador. E, no entanto, com ele, não tenho essa consciência. Meu senso de dever e moral desaparece. É como se não houvesse nada de errado em estar com ele, em... Sim, tudo que aprendi a vida inteira diz que e errado, mas não é o que sinto. - Essa é a voz da loucura, a expressão do perigo que nos ronda nas luas sagradas - Elijah protestou preocupado. Você era como um animal quando eu cheguei, Jacob. Teria dilacerado essa criatura.

- Não! - Jacob não conseguia disfarçar a revolta diante da acusaçao injusta. - o impulso que me dominou não era o de um animal impelido a usar o corpo de um ser qualquer sem discriminação. Era diferente. Eu... - Estava confuso, por isso desviou o olhar dos outros dois, incapaz de suportar o choque e a duvida em suas expressões. - Foi primitivo, sim, mas não era só luxúria. Não era só instinto. Era mais profundo, irresistível. É isso mesmo, nem eu pude resistir.

Noah se levantou, como se achasse mais sensato não permanecer muito perto do jovem que havia conseguido uma proeza inimaginável. Se Jacob sucumbira a loucura, devia haver ali mais do que os olhos enxergavam.

Quem era esse jovem capaz de matar um Demônio, surrar Elijah, o capitão das forças de combate de Noah, e encantar Jacob, o implacável Defensor? E a maneira como ele resistira a remoção de sua energia? Sim, havia algo a ser descoberto.

E esperava que não fosse algo assustador como estava imaginando.

Comentários

Há 2 comentários.

Por em 2016-05-29 01:39:26
Gostei! 😍👏
Por Anjinho Sonhador em 2016-05-28 17:45:27
Nossa, incrivel. Sera que Isac e um anjo? Ancioso pelo proximo capitulo.