2ª T. Cap. 01:

Conto de Salém como (Seguir)

Parte da série OS FILHOS DA LUA

Inglaterra, 1562

Elizabeth riu alto, e o som ecoou pelo salão de baile, apesar de seu estado ofegante. Pressionava com uma das mãos um lado da cintura, justamente onde o corpete costumava reduzir sua capacidade respiratória. Porém, só os mais íntimos saberiam desse detalhe. Para todos na corte, a jovem rainha Bess apenas adotava uma postura elegante ao dançar.

Seu parceiro era implacável, conduzindo-a giro após giro pelos complexos passos da coreografia. Havia poucas pessoas na corte da rainha Elizabeth cuja paixão e energia para a dança se equiparavam à da monarca. Aparentemente, o príncipe romeno com quem Bess dançava não só conseguia acompanhá-la, como a levava ao limite de sua energia.

Robert Dudley, o conde de Leicester, assistia à cena com um olhar sombrio, cobiçoso, e um tique leve, mas revelador, em sua mandíbula. Lorde Burghley não resistiu à oportunidade de provocar o negligenciado favorito da rainha.

— Dudley, parece que nossa Bess está muito impressionada com o príncipe Damien. Não me lembro de ter visto nossa rainha travar amizade tão rapidamente com outro dignitário visitante antes.

Dudley não respondeu de imediato. Era forçado a ver pretendentes de vários países cortejando sua Bess, mas esse príncipe romeno teria o mesmo sucesso de seus antecessores, se pretendia propor casamento à notoriamente caprichosa rainha da Inglaterra.

O coração dela é meu, pensou com ardor.

Mesmo que Cecil organizasse uma parada de belos dignitários interessados em desposá-la, Bess nunca trairia seu coração... ou o dele.

Damien finalmente se curvou para a rainha ao final da dança.

— Você me superou esta noite — a soberana declarou ofegante, deixando-se levar de volta ao trono. — Como aprendeu a dançar nossas danças mais modernas com tanta energia e habilidade?

O príncipe coçou a barba como se considerasse a questão.

— Acho que me empenhei muito. Ouvi dizer que a melhor maneira de atrair a atenção da soberana inglesa é pela dança. — Ele emitiu um suspiro dramático. — E agora que revelei meu ardil, suspeito de que vai me mandar embora e me proibir de voltar a pisar em sua bela pátria.

— Tudo depende de seus motivos para tentar atrair minha atenção.

— Posso inventar um motivo oculto e diabólico, se assim o desejar. Caso contrário, terei de confessar que fui impelido por pura curiosidade.

Elizabeth inclinou a cabeça para trás e riu. Seu charme e seu humor franco causavam escândalo na corte inglesa, mas era evidente que o príncipe não se incomodava. Ela gostava disso. Ficara encantada com Damien desde o momento em que ele a cumprimentara quatro dias atrás. O príncipe se apresentara com a irreverente observação de que não estava ali para cortejá-la ou impressioná-la, que ela não devia esperar nenhuma proposta de casamento, porque ele sabia que ela era boa demais para ele e estaria muito melhor sem sua inoportuna presença.

Havia sido uma forma única de quebrar o gelo, que a tranquilizara em relação às suas intenções, e desde então eles estavam sempre juntos. Elizabeth via em Damien um igual, talvez um possível confidente capaz de entender sua posição única no mecanismo mundial.

— Caminhe comigo, Damien — ela convidou, levantando-se do trono com a energia renovada.

Conduziu-o aos recônditos do grande palácio de Londres. Estavam sendo seguidos, é claro, pelas damas de companhia da rainha, mas os dois soberanos ignoraram a presença do grupo.

— Gracejos à parte, Damien, qual é seu verdadeiro propósito aqui?

— Não tenho um propósito. Estou simplesmente viajando e conhecendo o mundo.

— E seu povo? Seu país? Não precisam de seu príncipe?

— É claro que sim. Mas meu principado não é como o seu reinado. Minha cultura... Bem, é muito diferente da sua. Minha ausência pode ser tolerada de vez em quando.

— É um homem de muita sorte, então.

Damien olhou para baixo, avaliando-a de sua considerável estatura, e sorriu de leve. Não era frequente que se misturasse a essa cultura, mas algumas vezes obtinha informações sobre os acontecimentos no mundo e se sentia compelido a verificar por si mesmo.

A jovem rainha da Inglaterra era singular. Seu futuro continha uma promessa e um potencial que podiam superar até mesmo suas próprias expectativas. Seria uma pena deixar de obter uma visão mais próxima da mulher. Estava ali com a intenção de se divertir, e aquele pequeno nicho do mundo tinha suas delícias intrigantes. As sombrias tramas políticas da corte inglesa eram suficientes para despertar sua curiosidade. As sutilezas eram tantas, que apenas tentar acompanhá-las se transformava em um exercício mental.

— Bem, milady, receio ter de pedir sua licença — ele disse sorrindo, os olhos negros cintilando com irresistível magnetismo.

Elizabeth apreciava sua beleza. Ele era alto, mais do que a maioria dos homens, tinha uma densa barba negra, e uma pele pálida e acetinada que não precisava de pó ou outro tipo de maquiagem para adquirir a qualidade translúcida que exigia a moda. Ele também não usava gordura na barba ou no bigode, nem os deixava crescer excessivamente para retorcer as pontas, como em voga. Em vez disso, ele os mantinha limpos, como os cabelos, que estavam presos na altura da nuca por uma fita de seda azul que combinava com o negro cintilante das mechas abundantes.

Qualquer que fosse sua posição entre seu povo, ele não era um monarca que repousava ocioso em seu trono. Seu corpo tinha a força e a agilidade de um habilidoso guerreiro acostumado ao peso da espada. A potência dos braços não se desenvolvia naturalmente, e a largura dos ombros parecia poder sustentar o peso do mundo. As pernas eram longas, musculosas, e não havia um grama de gordura extra em sua cintura. O conjunto era suficiente para fazer até uma rainha umedecer os lábios em antecipação. Felizmente, o homem ao seu lado não podia ler pensamentos.

— Eu o proíbo de partir — ela disse, detestando a ideia de separar-se do único homem na Inglaterra que não esperava dela mais do que o prazer de sua companhia. Era um luxo, sabia, mas, como rainha, tinha direito a alguns deles.

Infelizmente, não era a rainha dele.

— Normalmente, minha doce dama, eu mesmo me proibiria de partir. Porém, esta noite, sou forçado a privar-me da companhia de Sua Majestade para cuidar de assuntos de Estado. Minhas humildes desculpas.

— Não, Damien, não é necessário se desculpar. Nós, soberanos, somos sempre mais escravos de nosso povo do que somos líderes. Pode ir, desde que prometa voltar amanhã à noite. Temos uma apresentação marcada para nosso entretenimento, e sei que vai se encantar.

— Sem dúvida. Seu gosto é impecável.

Damien levou aos lábios a mão adornada por anéis e beijou a pele pálida e sensível da parte interna do pulso. Ele acompanhou o gesto com uma piscada ousada. Depois, afastou-se com um sorriso, curvando-se sutilmente ao passar pelas sorridentes e agitadas damas da rainha.

— Damien — Dawn cumprimentou-o no momento em que ele entrou no castelo que usavam como gabinete na periferia de Londres.

Donos de sentidos aguçados, os vampiros detestavam viver nas cidades. As ruas cheiravam mal, os humanos tinham hábitos repugnantes, o rio era um esgoto a céu aberto, e nem mesmo galões de perfume francês podiam encobrir a falta de apreço dos humanos pelo hábito de banhar-se. Eles acreditavam que o contato constante com a água os faria adoecer, quando o contrário correspondia à realidade.

— Meu bem — ele retribuiu o cumprimento com um grunhido de apreciação, rindo ao ver que ela se aproximava com as presas prontas para mordê-lo. — Tenho coisas a fazer antes de lidar com seus apetites.

A ruiva insolente sorriu, revelando que não ficaria afastada por muito tempo. E, se tivesse de atender às demandas do corpo com urgência, ela não hesitaria em procurar outro voluntário. Com exceção do desejo mútuo, não havia entre eles nenhum compromisso.

Damien removeu as luvas e desarmou-se da espada que levava na cintura e da adaga que escondia na bota. Entregou as armas a Racine, que estava pronta, como sempre. Depois, puxou um de seus longos cachos castanhos de maneira afetuosa antes de deixá-la levar suas coisas.

Atravessou o saguão e uma sala comum na direção do salão principal. Lá, ocupando cadeiras, divãs e sofás, formando um círculo acolhedor que ocupava toda a circunferência da sala, estavam os membros de sua corte que o haviam seguido para a Inglaterra. Simone acendera a lareira, completamente dependente daquele conforto. Ela repousava em uma poltrona bem na frente do fogo.

— Damien — ela o chamou com aquele tom petulante que prenunciava uma queixa. — É sempre tão tedioso aqui? Quando nos mudaremos?

— Acabamos de chegar, meu bem — ele lembrou.

— Bem, é aborrecido. Essas pessoas são muito... fedidas. E terrivelmente sem graça. Não podemos voltar a Bizâncio?

— Você sempre quer voltar a Bizâncio — Lind comentou em tom seco, erguendo a cabeça loura dos seios fartos de Jéssica, onde cochilava.

Damien ignorou as queixas e olhou em volta, estudando os dez adultos que se consideravam seus amigos mais próximos. Trocar a corte de Elizabeth Tudor por aquela sala onde todos se vestiam como se nem pensassem muito no assunto exigia sempre alguma adaptação.

Diferentes dos humanos daquela década, que se vestiam com inúmeras camadas de saiotes e corpetes e outras peças desnecessárias, os vampiros no círculo vestiam o mínimo possível. Algumas mulheres usavam calça, outras preferiam kilts masculinos. Tudo era uma questão de gosto. Embora sua espécie normalmente se originasse em sua terra natal romena, cada um deles havia nascido em um século diferente, e Damien acumulava amizades como outros colecionavam uma variedade de safras de vinho. O modo de vestir deles costumava refletir a época e a cultura em que haviam nascido, ou uma combinação simbólica daquilo que os deixava mais confortáveis.

Damien não se importava com a aparência dos amigos. Não se importava nem com o que faziam, desde que não fosse contra as leis e não os expusesse a riscos. O que o espantava era o choque de cultura que sofria sempre que passava do reino humano ao mundo dos vampiros.

Olhou para a única pessoa que não estava deitada, abandonada ao tédio. Jasmine permanecia em pé, atenta, olhando pela janela, as pernas afastadas e levemente flexionadas, os pés calçados por botas. Aproximou-se, saltando alguns pares de pernas no caminho.

— Milorde — Jasmine cumprimentou-o, e torceu o nariz ao sentir seu cheiro. — Precisa de um banho.

— Por que perder tempo antes da caçada dessa noite?

— Faz sentido.

— O que temos hoje à noite, Jasmine?

— Além de preguiça, luxúria e uma variedade de outros pecados mortais? — ela perguntou, inclinando a cabeça em direção aos ocupantes do aposento.

— Mesmo com relação a tudo isso, está olhando para o lado errado — ele provocou, sabendo que Jasmine não demonstrava o tédio como os de sua gente. Ela era uma pensadora. Sempre contemplava aspectos mais profundos que gratificação imediata. Como seu irmão Horatio, por quem fora criada. Ele havia recusado o convite para acompanhá-los à Inglaterra. Na verdade, Damien se surpreendera quando Jasmine aceitara no lugar dele.

— Estou olhando para o futuro, Damien — ela disse com tom suave, o olhar perdido na distância além da janela. — E de repente me ocorre que sei por que alguns de nós dormem décadas seguidas.

— Por quê? — ele indagou, embora houvesse encontrado essa mesma resposta havia quatrocentos anos, mais ou menos.

— Para não enlouquecer, seja de tédio, ou pelo caos de todas as espécies se misturando nesse planeta. Pensar nisso me faz sentir exausta e com vontade de dormir.

— Você só tem cinquenta e quatro anos. Uma criança. Jovem demais para pensar na avidez por entretenimento em sua velhice, e ainda mais jovem para se preocupar com o destino de tantas espécies espremidas no nosso planeta.

— Ele a beijou no rosto com afeto. Como todos os vampiros, ela não havia envelhecido após atingir sua maturidade sexual aos vinte anos. — Porém, se isso a faz se sentir mais satisfeita, posso prometer muita diversão, caso um dia se sinta entediada. Só precisa pedir minha ajuda. — Sorrindo, virou-se para olhar a sala. Pigarreou, atraindo a atenção de todos. Alguns até se sentaram, revelando expectativa.

— Meu tempo na corte tem sido muito produtivo. Há um levante religioso na França. Protestantes, católicos, e aquele absurdo habitual.

— Oh! Estão enviando homens jovens? — Jéssica perguntou animada.

— É um exército ou só um bando de rebeldes?

— Sim, você precisa quantificar, Damien — Lind insistiu.

— Digamos apenas que o tal levante é suficiente para encobrir nossa chegada e nossa caçada por algum tempo — disse, rindo. — Partiremos em uma semana.

Na noite seguinte, Damien chegou ao palácio e descobriu que Elizabeth estava enferma e que, por isso, não presidiria a corte. Ficou preocupado. Londres, mesmo no inverno, era solo fértil para terríveis pragas e outras enfermidades traiçoeiras. Elizabeth Tudor não lhe dava a impressão de ser propensa a doenças ou inclinada a buscar a cama ao menor sinal de fraqueza. Ela era uma mulher teimosa e entusiasmada; por isso mesmo, ele a apreciava tanto.

Decidiu encontrar outro caminho para as acomodações da rainha depois de ter sido alegremente dispensado por Robert Dudley. Poderia ter influenciado o homem com facilidade para entrar, mas estava entediado com as ideias de Dudley sobre o que constituía um jogo de poder.

Dirigiu-se, confiante, à ala onde ficavam os aposentos pessoais de Elizabeth, aproximando-se o suficiente para ouvir as conversas preocupadas e todas as informações possíveis, construindo um panorama da situação. Assim que tivesse certeza de que a doença da monarca não era importante e de que logo ela estaria bem, reuniria sua comitiva e partiria para os campos de batalha na França, onde novos entretenimentos os aguardavam.

Porém, precisou apenas de um momento para compreender que Elizabeth não ficaria bem. Na verdade, ela provavelmente morreria antes do final da noite.

A rainha contraíra a fatal varíola.

Que amolação, Damien pensou, zangado.

Afastou-se da parede em que estivera apoiado e atravessou o salão. Não foi detido, pois ninguém tinha consciência de sua presença. Entrou no quarto de Elizabeth e caminhou até a cama dela, afastando as cortinas. Ao vê-la, franziu a testa em furioso desgosto. Ela parecia fraca e pálida, quase como se não fosse a mesma pessoa que rira, dançara e flertara com ele na noite anterior.

Havia duas mulheres sentadas muito perto da cama. Damien segurou cada uma pelo queixo por um breve momento, fitando-as nos olhos até manipular suficientemente seus pensamentos e percepções. Depois, olhou para Bess, apoiou um joelho na cama e a sustentou contra o peito. Sua cabeça pendia como a de uma boneca de pano enquanto ele afagava os cabelos ruivos.

Damien ergueu o queixo, suas presas surgindo cintilantes e encontrando o caminho para o pescoço da jovem rainha da Inglaterra.

O príncipe vampiro sentiu o sangue, superaquecido pela febre, fluindo para dentro de sua boca. Como não tinha caçado antes, sentiu aquele súbito prazer provocado pela saciedade de sua fome, que sempre acompanhava a primeira infusão do sangue de uma vítima.

Apesar da enfermidade e da febre, Elizabeth reagiu à invasão. Ela gemeu baixo, buscando às cegas tocar o braço que a amparava. Damien não podia ignorar a carícia dos dedos e os movimentos do corpo em seus braços. O estímulo aumentava o prazer da alimentação da mesma forma que o ato da nutrição sempre despertava a sensualidade instintiva da vítima. A única coisa que teria causado mais satisfação era medo, raiva ou o que quer que provocasse uma descarga de adrenalina humana imediatamente antes da perfuração da pele. Esse era o tempero perfeito.

Ela já estava fraca e, portanto, ele não sorveu tudo que gostaria. Nem perto disso. Mas manteve a boca sobre a ferida que abrira. A carótida pulsava freneticamente contra sua língua, e nela ele causou a segunda perfuração, injetando no organismo de Elizabeth os agentes coagulantes que ficavam estocados em suas presas, como o veneno que é inoculado por uma serpente. Mas, ao contrário do veneno, essa inoculação não causaria mal a ela.

Pelo contrário. Em algum lugar, misturado à química dos coagulantes que continham o sangramento, estava o anticorpo de que ela precisava para combater o invasor que ameaçava sua vida.

Poucos vampiros eram velhos ou fortes o bastante para enfrentar uma infecção da magnitude e da complexidade da varíola. Porém, aqueles que, como Damien, eram suficientemente poderosos, tinham a capacidade de localizar e identificar o patógeno, extraí-lo das células doentes e forçá-las a produzir o anticorpo necessário. Não era fácil, e vampiros despreparados para a tarefa podiam se envenenar com a doença. Felizmente, todos podiam sentir essas anomalias em suas vítimas antes do ataque.

A recompensa para o risco de converter a doença em cura era uma lembrança patológica do anticorpo, que se unia a centenas de outras memórias e era adicionada ao coagulante injetado na vítima ao final da alimentação. Damien havia mordido uma pessoa infectada pela varíola antes, e isso havia permitido que seu corpo criasse o anticorpo do qual Elizabeth agora poderia desfrutar. Não se alimentava dela por sentir fome. A saciedade era só um pequeno bônus. Alimentava-se dela para curá-la.

Afastou-se da rainha, deitando-a gentilmente sobre vários travesseiros de plumas. Sua mordida não era uma cura milagrosa. Era apenas um atalho que daria ao sistema imunológico da vítima uma grande vantagem. Elizabeth era forte e lutadora. A combinação a ajudaria na recuperação. Só levaria algum tempo.

Ele iria à França, se banquetearia com seus companheiros nos campos de batalha, e retornaria depois, esperando encontrá-la viva, bem e feliz por revê-lo.

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