Mais uma história... (1)

Parte da série Mais uma história...

“Um homem pode viver feliz com qualquer pessoa, desde que não a ame.”

“Só há duas maneiras de viver a vida: a primeira é vivê-la como se os milagres não existissem. A segunda é vivê-la como se tudo fosse milagre.”

“A suprema felicidade da vida é a convicção de ser amado por aquilo que você é, ou melhor, apesar daquilo que você é.”

Quem nunca se surpreendeu com as reviravoltas da vida? Ela (a vida) é tão cheia de surpresas... E quando pensamos que já não podemos mais nos surpreender ela consegue mais uma vez.

Me chamo André, tenho 19 anos, sou branco, até de mais, pois quase não saio do meu quarto, é que sou do tipo “nerd”. Tenho cabelos castanhos escuros e olhos castanhos claros, às vezes parecem quase verdes. Não sou magro, sou até meio gordinho (nada de mais), gosto das coisas que qualquer adolescente normal gosta: videogame, computador, uma boa música (MPB, rock e pop internacional), sair com os amigos (mas que amigos?), e estudar. Tá certo, nenhum adolescente “normal” gosta de estudar, mas eu sim, e talvez por isso minha vida social não ande lá essas coisas.

Estava super ansioso, pois começaria a faculdade, o momento pelo qual tanto me preparei, dediquei minha vida, e não seria nada do que eu imaginava que seria. Eu sempre quis fazer algo ligado à computação, mas detestava física, então desisti. Também sempre sonhei com gastronomia (que diferença não?), mas ainda não era hora, até porque não daria a vida que eu sempre sonhei assim de uma hora para outra. Eu precisava de algo que me garantisse uma vida confortável, para eu conquistar meus objetivos e depois correr atrás de sonhos.

O que me restou então foram duas opções: matemática e administração. Eu consegui uma bolsa de estudos para administração numa ótima faculdade numa cidade vizinha a minha, daria até para ir e voltar para casa todos os dias.

Quando soube que havia conseguido ingressar na faculdade fiquei super feliz e todos da minha família também. Eu moro com meus pais e meu irmão mora sozinho na cidade em que estudaria. Temos uma boa vida, meu pai é médico e minha mãe biomédica. Da geração mais jovem da minha família apenas duas primas minhas tinham curso superior e eu e minha outra prima (que é uma irmã pra mim) começávamos agora, isso sendo uma família de dez filhos dos meus avós maternos e 12 dos paternos, eu tinha por volta de uns 30 primos de primeiro grau e sei lá quantos de segundo grau em diante. Outra coisa, eu e meu irmão erámos os caçulas da família, o que nos dava vários privilégios e mimos.

Infelizmente no dia de fazer a minha matricula na faculdade meu avô materno veio a falecer. Desde que eu nasci ele já era bem doente, mas isso não impediu que eu, como caçula, fosse mimado o bastante por ele. Nosso vínculo era muito forte. Por isso, eu e todos da família sofremos muito com isso. Mas mesmo assim eu não poderia parar minha vida. Liguei para a faculdade informando do acontecimento e dizendo que compareceria no dia seguinte para resolver a minha situação. Tudo já estava certo.

No dia seguinte eu não me sentia muito bem, mas mesmo assim não podia desisti depois de ter batalhado tanto. Fui até lá com meu pai (que queria rever a faculdade onde ele se formou) e resolvi toda a burocracia. A moça que me atendeu e cuidou de tudo me disse para que começasse naquele mesmo dia, pois eu havia perdido aula já no primeiro dia pela morte do meu avô, e alguns professores já estavam passando até trabalho. Bem, então fazer o que? Voltei em casa e me preparei com um momento tão esperado por mim.

Eu estudaria a noite, e dando a hora eu fui até o ponto onde combinei com um serviço de van que me buscaria. E foi aí que começaram as minhas surpresas, que posso dizer, na época, nada agradáveis.

Quando entrei na van fiquei super feliz por ver alguns amigos e amigas que não via há bastante tempo, pois eu me mudei para um bairro distante de onde morava e estudava com eles. Eles também ficaram felizes em me reencontrar, mas duas pessoas em especial acabaram com meu clima. Uma era a Andréia, uma antiga paixonite minha. Eu sempre gostei dela, mas ela sempre me tratou apenas como amigo. Eu meio que já havia superado isso, mas ainda sentia algo por ela, não era mais paixão, mas era alguma coisa mal resolvida.

A outra pessoa era o Gustavo, simplesmente a pessoa que eu mais odiava na face da terra. Ele era um playboy, filhinho de papai, metido a sabe tudo, garanhão e mesmo assim, sendo nojento como era, ele era popular. Talvez o problema fosse eu, pois todos se davam bem com ele, ou tinham medo, pois a família dele era uma das mais ricas de toda a região, talvez do estado de minas gerais, ou seja, coronéis que mandavam em quem quisessem.

Mas não parava por aí. Além de ter que frequentar o mesmo ambiente que ele teria que aguentar ele e a Andréia de agarramento. Sim, os dois estavam namorando. Não sei o que me dava mais ódio em tudo isso.

Mas, como já dito, a vida é uma caixinha de surpresas, e adivinha justo quem ficou na mesma turma que eu? Isso mesmo, o Gustavo! Poxa vida, a última coisa que eu queria depois da morte do meu avô era aborrecimentos, então assim que chegamos fui o primeiro a descer e fui o mais rápido que pude até a secretaria para pegar meu horário de aulas. O problema é que eu não conhecia nada lá e acabei me perdendo.

As pessoas não pareciam muito simpáticas, até porque só via veteranos por alí, me sentia até mal, mas logo uma garota apareceu me dando mole, e assim que disse que era calouro ela fez uma cara de nojo e saiu para outro lugar. Eu simplesmente ignorei, nunca gostei de patricinhas.

Mas derrepente escuto alguém me gritando, e quando olho para trás vejo o Gustavo. Só podia ser brincadeira, o que ele queria comigo?

Gustavo: E aí André?! Velho você conseguiu o horário de aula? Eu tô perdidão por aqui e não sei onde fica a secretaria...

Eu: Na verdade eu estava justamente procurando a secretaria, também tô perdido, e o pessoal não é muito simpático por aqui.

Gustavo: Hum, sei... – daí ele me olhou de uma forma estranha dos pés a cabeça. Não gostei muito – então vamo procurar. Nós somos da mesma turma né?

Eu, dando um sorriso amarelo forçado: Pois é...

Demoramos um tempão até encontrarmos a secretaria sem pedir a ajuda de ninguém. Já estava até com medo do trote. Mas uma hora nós encontramos. Tinha uma fila enorme, mas não demorou muito para a nossa vez de sermos atendidos.

Secretária: Em que posso ajudar?

Eu: Bem eu, que dizer, nós somos calouros e estamos meio perdidos. No instante precisamos dos horários das nossas aulas.

Ela imprimiu os horário no computador e nos entregou.

Eu: Obrigado. Bom, eu também preciso resolver algumas coisas da minha bolsa.

Fiquei meio que sem jeito de falar isso perto do Gustavo. Ele era um dos caras mais ricos alí, e eu sabia do preconceito que existe com os bolsistas, e sabendo como ele era... Mas ele pareceu que nem escutou o que eu disse. Eu não tentei uma bolsa por não poder pagar, acontece que eu perdi o prazo do vestibular e tive que recorrer aos programas de bolsa. Era isso ou ficar um ano parado.

Secretária: Olha, isso pode demorar um pouco.

Eu: Bem, fazer o que, né? Gustavo, é melhor você ir então, a Andréia deve estar te esperando.

Gustavo: Não tá tudo bem. Eu te espero. – que maravilha ¬¬, e quem disse que eu queria que ele me esperasse?

Sem mais nem menos ouvimos um barulho vindo do lado de fora da sala, e depois muita gente gritando e rindo, e correria. Devia ser o trote.

Secretária: Você deram sorte. Escaparam do trote por estarem aqui.

Gustavo: Ainda bem. Evitei ter que arrebentar a cara de alguns manés! – disse isso e caiu na gargalhada. A secretária não gostou muito, e ele ficou sério de novo.

Eu pagaria pra ver o playboyzinho todo sujo de farinha, ovo e todas as outras coisas que usaram no trote.

Depois de um tempo estava tudo arrumado. A secretaria nos deu a dica de retirarmos os crachás, pelo menos não poderiam dizer se éramos veteranos ou não. Fizemos isso. Do lado de fora já estava mais calmo, parece que eles haviam cercado o pessoal perto da quadra de esportes, onde era maior e a bagunça seria mais fácil de arrumar. Então corremos para a sala (a qual não conhecíamos, e nos perdemos de novo). Mas derrepente ele puxou papo comigo.

Gustavo: Sabe sempre tive a impressão de que você não gostava de mim, mas acho que estava enganado. Você parece gente boa, e deve ser muito inteligente pra ter conseguido uma bolsa aqui.

Eu não sei o que me deu na cabeça na hora, mas falei tudo: Na verdade, eu nunca fui com a sua cara mesmo. Você sempre foi o popular, playboy, ficava tirando onda com seu carro, sua moto. – fui dizendo com calma, como se estivesse conversando qualquer coisa – Sempre pode fazer o que quisesse. Desde os 16 anos você já podia dirigir, porque nenhum policial ia mexer com um herdeiro dos Borges. – eu falava em tom irônico – E eu não ligo a mínima pra tudo isso. Você também nunca puxou assunto comigo, e uma vez na 8ª série você pediu um garoto pra sacanear com os nerds da sala de computação da escola, e eu era um desses nerds. Nós ficamos cobertos de tinta e penas sabe-se lá de que animal. Lembro que você morria de rir, mas eu não achei nada engraçado! Então realmente, eu não gosto muito de você!

Ele ficou meio que estático ouvindo tudo isso, e eu continuei meu caminho. Depois que estava um pouco afastado dele eu percebi a burrada que tinha feito. Com certeza ele ia pedir ao pai dele para mandar suspender a minha bolsa alí. Bem, mas eu não podia ser sínico e fingir que gostava dele como todos faziam, seria antiético, e contra os meus princípios.

Estava chegando ao prédio onde era a minha sala, que ficava no segundo andar, mas na porta das escadas uma surpresa: alguns veteranos com balões de tinta. Tentei fingir naturalidade, mas eles me barraram.

- Aonde você pensa que vai?

Eu: pra sala de aula.

- E cadê o seu crachá? (todos os veteranos que participavam do trote tinham um)

Eu: Alguns calouros arrancaram ele. Olha, na boa, eu não quero participar disso.

- Ok espertinho, só que nesse prédio só estudam os calouros.

Puta que pariu! Agora sim eu estava encrencado. Eu fui andando para trás na esperança de conseguir fugir, mas acabei encurralado numa parede. Eu não estava com medo do trote, mas sim pela cara que eles faziam, como se fossem aprontar muito comigo. Sempre ouvi histórias daquela faculdade, de pessoas que exageravam nas brincadeiras. Eles já se aproximavam, quando alguém derrepente entrou na minha frente. Era o Gustavo.

Gustavo: Vocês não vão fazer nada com ele. Atirem os balões em mim se quiserem.

Juro que já não entendia mais nada. Eles já se preparavam pra atirar, mas um deles cochichou com os outros. E eles viram outros calouros e saíram atrás deles, mas um deles me encarou e disse: hoje você deu sorte, mas espera só pra você ver.

Eu fiquei aliviado, mas não entendi muito bem a atitude dele. Mesmo depois de tudo o que eu disse? Talvez ele tenha mudado nesses anos que fiquei sem vê-lo.

Eu fiquei meio constrangido com tudo isso. Me sentei num banco próximo e ele veio junto.

Gustavo: Você tá bem? Se fosse só pelo trote eu nem interferia, mas aqueles caras tavam mal intencionados com certeza.

Eu: Tô sim valeu. Mas por quê? Depois de tudo que eu te falei, você ainda me defendeu?

Gustavo: É, na verdade eu não gostei nada do que você disse, mas você tava certo em tudo. Eu sempre tive muitos privilégios por causa da minha família. E sempre abusei um pouco das pessoas. Quando eu era criança eu aprontava muito mesmo, e me lembro do que você disse, sobre a tinta e as penas. Mas eu mudei, e eu não ia deixar ninguém fazer nada com meu novo amigo. Tamos quites?

Eu: tá bom, isso compensa pela brincadeira do passado. Mas ainda não diria que quero ser seu amigo. Por mais que você possa ter mudado e mesmo me defendido eu ainda tenho uma impressão de você que não me agrada nem um pouco.

Gustavo: E você está certo. E é por isso que eu vou te mostrar que eu mudei. Bora pra sala? Se aparecerem mais veteranos aqui a gente não escapa mais.

Fomos pra sala. Chegando lá tinham mais dois alunos se escondendo. Nós começamos a conversar e descobri que eles se chamavam Leo (Leonardo) e Vanessa. Começamos a conversar sobre vários assuntos, mas o principal era a fuga do trote. Eles eram legais e começava ali uma grande amizade. Enquanto conversávamos fui reparando no Gustavo. Ele parecia mesmo ter mudado. Falava de coisas mais sérias, tinha uma conversa divertida, e em momento algum mencionou nada sobre a sua família. Talvez a Andréia o merecesse, ou ele a merecesse.

Acabou que a noite foi só trote. Quando as coisas se acalmaram e já estavam todos rindo, voltamos para o pátio e fomos conhecer toda a faculdade. Trocamos telefones e voltamos para as nossas vans para irmos embora. A Andréia não escapou do trote, o que ate que foi bom, pois evitou que os dois fossem se agarrando no caminho de volta, então voltamos eu e o Gustavo no banco de trás conversando sobre várias coisas. Não é que eu estava começando a me entender com ele?!

Quando cheguei em casa deveria ser por volta de umas 22:00, pois nem tivemos aula naquele dia, então fomos embora mais cedo. Mesmo assim fui direto para a cama. Estava cansado e com a cabeça meio confusa por tudo que rolou.

Fiquei pensando em várias coisas, no começo do meu avô, mas depois só me vinha o Gustavo na cabeça, em qualquer coisa que pensasse ele estava no meio. “Até que ele mudou muito”, eu pensava, “não só por dentro, mas por fora também. Ele tá mais forte, os olhos dele brilham. É tão bonito o verde dos olhos dele. Ele deve malhar muito. E que legal aquele cabelo arrepiadinho...” Pera í, para o mundo que eu quero descer! Que que eu estava pensando? Isso é coisa de viado, eu gostava de mulher. Ah, mas eu só estava admirando ele, nada de mais. Só porque ele estava super simpático, gato, atraente, tinha um sorriso lindo... Ei, como assim sorriso lindo? Tá bom, tinha algo errado comigo. Mas não era possível, quer dizer, justo com ele?

CONTINUA...

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