Comum & Extraordinário - Capítulo 14

Parte da série Comum & Extraordinário

Eu lentamente abro meus olhos. Eu não conseguia enxergar nada, e o que eu conseguia ver, estava completamente embaçado. Eu sentia como se eu tivesse acabado de fazer uma endoscopia. Minha garganta queimava, como se tivesse me feito engolir uma tocha. Meus pulmões doíam muito, como se estivessem prestes a explodir. Eu me sinto tossir, o que faz minha garganta doer ainda mais. Alguém colocava seus lábios nos meus e soprava ar para dentro de mim, e isso fazia com que eu sentisse uma água quente voltar pela minha garganta, me engasgando, rasgando minhas cordas vocais. A sensação era horrível. Eu sentia minha cabeça ser tombada e a água sair pela minha boca, mas eu ainda não tinha forças para fazer nada. Mais uma vez o procedimento se repete. Alguém sopra ar para dentro de mim, aperta meu peito, e eu sinto toda aquela água com gosto horrível voltar pela minha garganta. Esse processo se repete por três vezes. Eu respirava pesadamente, sofrendo em agonia, tentando entender o que havia acabado de acontecer. Quando eu finalmente consigo enxergar, vejo Rodrigo a minha frente, com seu rosto quase colado ao meu. Seu olhar era pura preocupação. Seus olhos brilhavam em uma intensidade incrível. Ele finalmente sorri e aos poucos me coloca sentado. Tusso mais algumas vezes e olho para os lados, vendo aquele monte de gente a minha volta. Carol e Mateus choravam, e não bastou milésimos de segundos para eles me abraçarem.

- Jonathan! Jonathan! - Mateus dizia. - Sua puta! Eu vou te matar! - Ele chorava e ria ao mesmo tempo.

- Que susto que você nos deu! Pelo amor de Deus. - Eu também já chorava. - Eu achei que você ia morrer... - Ela chora ainda mais.

- Se você tivesse morrido, eu ia atrás de você só para te matar de novo! Que vontade de te bater! - Mateus me sacudia.

- Eu estou bem... - Eu tusso mais algumas vezes. - Eu estou bem, sério.

- Você matou seus amigos de susto. - Diz Rodrigo ao olhar para mim, mas eu sabia que ele também tinha se apavorado. - O que aconteceu?

- Eu não sei... Eu estava no fundo da piscina, mergulhando, e quando eu ia voltar a superfície, senti alguém segurar meus pés... Como você me viu? - Perguntei a ele.

- Eu estava passando pela beirada da piscina, prestes a entrar, quando eu vi um corpo no fundo. Eu não sabia que era você, só depois que pulei e mergulhei que eu vi quem era... - Ele ainda estava preocupado.

- Eu... - Eu tusso outra vez. - Obrigado por ter me salvado... Vou ser eternamente grato a você Rodrigo... - Eu sorrio para ele.

- Eu só fiz a minha perte... Agora eu vou te deixar com seus amigos... - Ele se levanta e sai, sem ao menos olhar para trás. O vejo parar momentaneamente mais a frente, mas ele logo volta a caminhar.

Mateus e Carol me ajudam a levantar e me colocam de pé. Cambaleio um pouco, mas Mateus me segura. Eles vão me segurando até onde a gente estava deitado. Me colocam ali e se sentam ao meu lado.

- Que porra é essa que aconteceu? - Carol pergunta.

- Eu não sei... Eu só estava lá no fundo da piscina, e de repente alguém segura meus pés e não me deixa subir.

- Tem certeza que é alguém? - O Mateus pergunta.

- Tenho, olha... - Mostro para eles meus tornozelos e eles notam as marcas de dedo pressionadas na minha pele.

- Meu Deus! Que horror! Quem faria uma coisa dessas? - Carol parecia abismada com aquilo.

- Eu não sei... - Eu digo.

- Não sabe! - Mateus grita. - Eu te falei Jonathan, eu te falei. Ele é perigoso...

- O Thallison? - Eu pergunto, mal podendo acreditar.

- Aquela bicha maligna dos infernos. Ela é capaz de tudo. Eu te falei para ficar de olhos abertos.

- Mas... E se não foi ele? - Eu me recusava a acreditar que o Thallison iria tão longe assim.

- E quem seria? A Gaganás querendo te puxar para as profundezas?

- Eu não sei...

- Abre o olho com aquele filhote de Lúcifer. Ele é perigoso. Vai por mim, eu sei.

- Mas não temos como provar... - A Carol comenta, e realmente não tínhamos.

- Eu sei, não temos, mas podemos tomar cuidado com aquela peste. - Mateus diz.

- Eu não acredito que alguém seria capaz de fazer uma coisa dessas... - Carol lamenta.

- Pois acredite. Pode até não ser o Thallison quem tentou te afogar, mas que isso é obra dele eu não tenho dúvidas... Agora levanta essa bunda daí. Vou te levar ao hospital.

- Mateus, não precisa, eu estou bem. - Sem querer, tusso novamente.

- Bem está meu cu depois de ter levado duas pirocadas ao mesmo tempo. Você não está bem e sabe disso. Anda, levanta essa bunda cobiçada daí e vamos, não tenho o dia todo.

- Carol... - Eu olho para ela, tentando a convencer de que estava tudo bem.

- Não olha para mim. Se eu concordar com você, o Mateus arranha minha cara, e isso seria um desperdício de peeling químico.

- Tudo bem... Só tenho que ir buscar minhas coisas...

- Não senhor. Mateus, vai o levando para o carro que eu busco as nossas coisas no armário.

- Obrigado, peituda.

- De nada, viado.

Mateus me levava para fora do clube como se eu fosse impossibilitado. Qualquer coisa que eu fizesse era motivo para ele querer me segurar. Disse várias vezes a ele que estava bem, mas ele não quis acreditar. Quando chegamos na porta do carro, Carol veio correndo com nossas coisas. Mateus abre a porta da frente para mim, e quando eu estava prestes a entrar, ele me segura.

- Não é só porque a senhora quase se morreu toda que eu vou deixar essa sua bunda molhada sentar no meu banco de couro legítimo. Pode trocar de roupa.

- Estamos no estacionamento... - Eu olho para as pessoas que passavam.

- Não interessa. Eu te cubro com a toalha... Anda, vamos.

Mateus coloca a tolha na altura da minha cintura e Carol me passa a mochila que eu havia trago. Pego minha toalha, me sexo e vou a procura de minha cueca. Assim que a encontro, visto e em seguida coloco minha bermuda. Seco meus cabelos mas nem faço questão de os pentear. Assim que entro no carro, os dois também entram, e vamos rumo ao hospital.

Quando chegamos lá, a Carol queria que eu me sentasse em uma cadeira de rodas, mas pelo menos a isso eu tive o direito de recusar. Entrei andando sobre minhas próprias pernas. Não deu nem dez segundos alguém apareceu para saber se estava tudo bem.

- Oi meu amor, está tudo bem? Aconteceu alguma coisa? - Uma mulher de aparentes quarenta anos se aproxima da gente.

- Não mãe, comigo está tudo bem... - Mateus abraça a mulher. - Ele se afogou... - Mateus aponta para mim.

- Eu estou bem...

- Está coisa nenhuma. Vai fazer os exames para confirmar, e sem reclamar.

- Tudo bem... - Eu digo.

- Não vai me apresentar não? - A mulher pergunta para o Mateus.

- Mãe, esses são meus amigos Jonathan e Carol... Gente, essa é a dona Soraia, minha mãe. Ela pediatra aqui no hospital...

- É um prazer conhecer vocês... - Ela sorria.

- Eu digo o mesmo... - Sorrio para ela também, assim como Carol.

- Qual a sua idade Jonathan? - Ela me pergunta.

- Dezessete...

- Bem, como você ainda é menor de idade, eu mesma irei te atender... Vocês dois, fiquem aqui. Daqui a pouco a gente volta.

- Tudo bem. - Mateus e Carol dizem ao mesmo tempo.

Eu acompanho Soraia pelos corredores do primeiro andar do hospital até chegarmos no elevador. Quando entramos, ela me pergunta o que aconteceu. Eu a poupo dos detalhes gráficos. Apenas digo que eu fui para o fundo da piscina e não consegui voltar. Ela me dá uma pequena bronca, dizendo que se eu não sabia nadar, não era para eu ir para o fundo da piscina, e eu apenas concordei, apesar de sim, eu saber nadar. Depois que saímos do elevador, ela me pergunta como conheci seu filho, se éramos amigos há muito tempo, e eu explico tudo para ela.

- Ele pode ser todo destrambelhado, um pouco escandaloso, mas é um ótimo filho e uma excelente pessoa. Eu não digo isso apenas por eu ser mãe dele, mas é a verdade. Apesar de tudo, ele sempre foi um bom filho.

- Eu sei... - Eu sorrio para ela.

Eu entro no consultório dela e ela me pede para me deitar na maca sem camisa, e assim o faço. Ela faz todas as checagens padrões. Confere minha pressão, meus batimentos, minha pulsação, meu ouvido, minha garganta, minha barriga, meus olhos, e quando viu que não havia nada de errado, ela faz algumas anotações no prontuário onde havia escrito meu nome. Depois disso, eu volto a seguir Soraia pelos mesmos corredores até entrarmos em uma sala a meia luz. A vejo vestindo uma espécie de colete e presumi que eu faria um raio x.

- Agora eu quero que você vá até naquele quadro, inspire e mantenha a respiração presa por alguns segundos. Tudo bem?

- Sim...

Eu caminho até uma espécie de quadro metálico e me posiciono de frente para ele, de modos que fico de costas para a Soraia. Ele me pede para inspirar e assim o faço. Escuto alguns barulhos do raio x, e quando ela manda eu respirar novamente, a obedeço.

- Pode sair...

Novamente a acompanho pelos corredores. Eu me sentia um Interno, daqueles que vemos em séries médicas, que acompanham os médicos por tudo quanto é lugar. Era divertido. Quando entramos em sua sala novamente, ela pede para que eu me sente, e assim o faço.

- Bem Jonathan, você está ótimo. Não há grande quantidade de água em seus pulmões, o que é incrível, já que os pacientes, vítimas de afogamento chegam aqui com o pulmão ainda com níveis consideráveis de água, e os seus estão praticamente vazios. Quem aplicou os primeiros socorros em você fez muito bem feito, coisa difícil de ver hoje em dia. A água que está dentro de você será eliminada pelo seu próprio organismo por ser em pequena quantidade, então não se preocupe. Quando a química presente na água, também não precisa se preocupar. Você pode chegar a ter azia, dor de estômago e ânsia de vômito, mas um soro caseiro dosado com água, sal e açúcar vai te ajudar... No mais é isso, não passou de um susto. Em no máximo três dias você estará novo em folha. - Ela sorri.

- Nossa, muito obrigado... Eu nem queria vir, mas o Mateus praticamente me obrigou... Praticamente não, ele me forçou a vir.

- Bem, que bom que você veio. Mesmo você se sentindo bem depois de um episódio desse, é importante ter uma opinião médica a respeito.

- Obrigado...

- Não precisa agradecer...

- Eu tenho plano de saúde. Eu só... - Ela me interrompe.

- Não precisa querido, sério, está tudo bem. Agora vamos descer para você poder dar a notícia aos seus amigos.

Voltamos a fazer todo o processo de caminhar pelos corredores e descer pelo elevador novamente. Quando chegamos no primeiro andar, Mateus e Carol estavam na companhia de um homem de aparentes quarenta anos também. Mateus se parecia muito com ele, então julguei ser o seu pai. Quando chegamos, eles logo foram perguntando o que aconteceu.

- Não se preocupem, está tudo bem. Ele deve ter ânsia de vômito e dor de estômago por uns dois ou três dias, mas nada que um soro caseiro e um efervescente não resolvam. Foi só um susto.

- Graças a Deus... - Carol e Mateus me abraçam.

- Bicha, dá próxima vez que a senhora aprontar uma dessa comigo e não morrer, eu mesmo te mato... Isso é lá coisa de se fazer com as amigas? - Mateus ri.

- Me desculpa... - Eu olho para o homem que sorria para mim.

- Esse é o senhor Maurício, meu papai poderoso. Ele é cardiologista...

- É um prazer te conhecer Jonathan. O Mateus já falei de vocês com a gente... - Ele olha para a esposa.

- Falei mesmo, contei tudo, tudo mesmo... - Ele olha para mim e começa a rir.

- Senhor... - Eu digo e começo a rir também.

- Bem, agora que já está tudo bem, vamos embora... - Mateus se vira para os pais. - Meus criadores, nós nos vemos em casa. Obrigado... - Ele faz reverência e seus pais sorriem.

- Nossa, a sua relação com seus pais é tão aberta... - Eu digo quando já estávamos saindo do hospital.

- Sempre fomos assim, e eu sou grato por isso.

- É realmente muito lindo. - Carol fala.

- Eles te aceitam tão bem...

- É claro né viado. Eu já nasci toda trabalhada na purpurina. O médico nem falou se era menino ou menina, só disse que era viado. - Ele sabia como fazer a gente rir. - Meus pais sempre souberam, então isso deu tempo para eles se acostumarem, além do mais, eu sempre fui assim, do jeito que eu sou, então...

- Eu gostei de seus pais... - Eu falo.

- Quem não gosta deles...

Nós entramos no carro e Mateus nos levou para casa. Fomos conversando e rindo muito no caminho. Chegamos até a esquecer por um momento o que havia acabado de acontecer, e partes de mim realmente queria esquecer ou não acreditar naquilo tudo. Eu não queria acreditar que o Thallison poderia ser tão ameaçador dessa forma, e eu estava com um pouco de medo, mas agora eu sabia com quem eu realmente estava lidando, e eu estava pronto para combater fogo contra fogo se fosse necessário. Eu não chegaria a extremos como ele fez, mas eu também sabia como deixar uma pessoa na lama, e se fosse necessário, eu iria o chafurdar no mais sujo dos chiqueiros.

Comentários

Há 1 comentários.

Por Niss em 2015-07-21 10:14:35
Minha santa kkk esse Mateus não presta kkk. Adorei essa bicha má. ;-* Bjs Niss.