A Vida & Morte De Renato - Capítulo 01

Parte da série A Vida & Morte De Renato

Tudo o que se podia ouvir naquela imensidão de silêncio era o compasso de duas respirações calmas.

O ambiente era aconchegante, tranquilo. Aquele pequeno cômodo parecia ter sido feito aos moldes daqueles dois seres pacientes e atentos.

Nada era dito. Na verdade, palavras não precisavam ser trocadas diante daquela situação, não depois do que havia acontecido.

Mais uma vez eles haviam se entregado um ao outro, e novamente, suas almas se tornaram ainda mais próximas, como se fossem uma só.

Seus corações batiam em compasso, ao mesmo tempo. Era como se em uma sala cheia de relógios, você conseguisse escutar os ponteiros em uníssono, reproduzindo um único som.

Eles se olhavam, se tocavam, sentiam seus corpos nus próximos um do outro. O calor emanado debaixo daquele cobertor percorria por suas peles e os fazia transpirar a medida que suas respirações se acalmavam. Mais uma vez eles haviam arriscado tudo um pelo outro.

― Acho que temos sérios problemas psicológicos. ― O de pele branca como a neve se pronuncia, sorrindo em seguida.

― Você acha? ― O homem sete anos mais velho que o primeiro se pronuncia. ― Prefiro pensar que estamos fazendo isso por nós mesmos. ― Ele sorri logo depois.

― Nós estamos, é só que... ― Ele para por um breve momento. ― as vezes eu tenho medo. Não por mim, que já tenho em mente o que acontecerá, mas por você.

― Renato, você não tem que se preocupar comigo. Eu já sou adulto, sei cuidar de mim mesmo.

― Eu sei disso, não foi minha intenção ofender. Eu só me preocupo. ― Ele passa sua mão direita sobre o rosto do homem de pele negra.

― Eu também, mas se ficarmos pensado de mais em tudo o que pode acontecer, vamos acabar deixando de viver isso que está havendo entre a gente.

― Eu não quero isso.

― Eu sei, e eu também não.

― Quando vamos poder realmente ficar juntos? Quer dizer, quando iremos poder sair dessa merda de vida e vivermos por nós mesmos?

― Infelizmente eu não sei, mas espero que o mais rápido possível. Tudo nessa cidade está se tornando tóxico demais pra mim, inclusive meu trabalho. Achei que tivesse estômago o suficiente para tudo o que já vi, mas pelo que me parece, eu não tenho. Sou um fraco.

― Leandro, você é uma das pessoas mais fortes e corajosas que conheci em toda a minha vida. Não diga isso sobre você mesmo.

― Mas é a verdade. Ainda não fui homem o suficiente para nos tirar desse lugar.

― Não sou a única pessoa que importa para você aqui, e há também o fato de ter acabado de se tornar um policial, e não há como pedir transferência no primeiro ano. Vamos ter que esperar.

― Eu sei. Só espero que passe o mais rápido possível.

Depois de um breve momento, eles fecharam os olhos outra vez, mas não dormiram. Eles não poderiam dormir na mesma cama, eles não deveriam dormir, era arriscado de mais, para os dois. Sempre que estavam juntos eram obrigados a se policiar. A tranquilidade que sentiam quando seus corpos estavam perto um do outro era tão grande que poderiam dormir sem nem ao menos perceberem, e isso era um perigo diante a situação aparente.

Por volta das duas da manhã, um pequeno feixe de luz se acende no quarto. O abajur havia sido acesso, e a pequena claridade foi o suficiente.

Apenas o rapaz mais jovem estava na cama, ainda nu. Seus olhos acompanhavam aquele homem de um metro e noventa de altura se movimentar pelo quarto, vestindo sua farda e calçando suas botas. Ele afivela o cinto à calça e pega o seu revolver, o acoplando naquele utilitário de couro genuíno utilizado por todos os policiais da cidade. Ele finalmente para, de frente para o jovem rapaz, e o encara, se indagando.

― Você não precisa tirar toda vez que está comigo. ― O rapaz de pele branca como a neve pega uma pequena aliança de ouro no criado mudo ao lado de sua cama e entrega ao homem que estava em pé. ― Vai acabar perdendo.

― Não gosto do pensamento de você ser um mero amante. ― Ele diz ao colocar a aliança no dedo anelar de sua mão direita.

― Um mero amante? ― Ele se senta, revelando seu corpo desnudo, deixando o homem que estava de pé desconcertado.

― Não foi isso que eu quis dizer, você entendeu... ― Ele parecia nervoso.

― Não se preocupe. ― Ele se levanta da cama, sorrindo, e caminha até o policial, ficando a milímetros dele. ― Eu quem deveria estar me preocupando com isso, afinal de contas, eu sou o ‘Mero Amante’.

― Mas sou eu quem está traindo minha esposa. ― Ele aparentava estar preocupado.

― Me desculpa... ― Renato abaixa sua cabeça. ― Eu não deveria ter...

― Renato, eu quis aquele beijo. Eu te beijei, fui eu quem tomou o primeiro passo. Você não tem nada a ver com isso, o culpado sou eu.

Tudo começou na formatura dos novos policiais há oito meses. Renato fora obrigado a ir a confraternização por ser filho do chefe de departamento da polícia local. Seu desprazer de estar em um local repleto de pessoas rudes e preconceituosas era visível, mas seu pai fazia questão de apertar seu braço todas as vezes que via o “mau comportamento” do único filho, então Renato era obrigado a se portar de acordo com as regras da cidade, que condizia em ser obediente, respeitoso e masculino.

Para o jovem rapaz de cabelos negros, aquilo parecia não passar nunca. Era obrigado a sorrir para todos, manter as aparências, mesmo que sua vontade fosse a de gritar para todos ali que aquela cidade era uma merda, mas ele não podia, ele ainda dependia financeiramente do pai, então se portava, mas não seria para sempre.

Tudo na pequena festa parecia ser mais do mesmo, mas isso foi até o momento em que ele tropeçou no pé de um dos homens trajando o uniforme, fazendo com seu corpo fosse ao chão com tudo. Por sorte, eles estavam em uma área afastada do salão, então ninguém precisou presenciar aquela cena embaraçosa.

― Me desculpe... ― Ele diz quando o policial o ajuda se levantar.

― Não se desculpe, foi um acidente. ― Ele diz, sorrindo.

― Eu poderia ter prestado atenção...

― Mas não prestou, e agora não importa mais. ― Ele dá uma leve batida com ambas as mãos nos ombros do rapaz mais baixo e mais jovem. ― Você é filho do Rodolfo não é?

― Infelizmente sim... ― Renato diz ao concertar seu terno no corpo e ajeitar seu cabelo, o impossibilitando de pensar antes de dizer tais palavras. ― Felizmente, quer dizer. ― Ele parecia nervoso. Os policiais da região tinham o habito de idolatrar seu pai, logo, poderiam narrar qualquer coisa a ele.

― Não precisa se preocupar. Sei o que é ter um relacionamento com um pai negligente e agressivo. Eu vi a forma como ele te tratou mais cedo, apertando seus braços.

― Você viu? ― Renato pergunta, aflito.

― Sim. Você precisa de ajuda?

― Não, eu estou bem. ― Renato é ríspido.

― Não parece.

― Não é da sua conta. ― Ele rebate, encarando o homem mais alto.

― Não é mesmo. Me dá licença.

O policial sai, esbarrando em Renato, que quase tem seu corpo indo de encontro ao chão outra vez, o deixando com um nível considerável de raiva. Ele então acerta seu terno outra vez e volta para o salão.

Ao chegar, de longe ele avista o mesmo homem com uma mulher ao seu lado, uma mulher de cabelos claros e sorridente, uma mulher que carregava uma barriga de gestação, e pelo que aparentava, estava quase na hora de a criança vir ao mundo. E por último, a única coisa mais importante a ser notada para Renato era a ausência de um sorriso no rosto do policial. Ele não parecia estar feliz, e isso foi um fato confirmado.

Desde aquele primeiro encontro, Renato se via incomodado com a presença constante daquele homem em sua vida. Ele frequentava a sua casa, bebia com seu pai e outros amigos, ria de piadas horríveis, faziam piadas ainda piores, e para Renato, aquilo era extremamente desagradável, ainda mais devido a piadas sobre homossexuais, já que ele se encaixava na pequena classe.

O ponta pé inicial para o que aconteceu ocorreu quase dois meses depois de terem se visto pela primeira vez. Estava acontecendo um churrasco organizado por Rodolfo, pai de Renato, e como sempre, o rapaz se trancou dentro do quarto para não ter que ficar ouvindo tudo e participando de algo que não lhe agradava ou dizia o respeito.

Tudo estava tranquilo, tranquilo de mais, até que alguém bate na porta. Relutantemente, ele se levanta de sua cama e gira a maçaneta, dando de cara com o mesmo homem da festa, e do aniversário, e do jogo de domingo, e do buraco na quinta feira, e agora, o homem do churrasco no domingo, só que dessa vez ele trajava apenas um calção esporte e nada mais, e a primeira coisa que Renato viu foi seu peito definido e molhado de suor, e essa imagem nunca mais saiu de sua cabeça.

― Seu pai pediu para eu vir lhe chamar. Um cara vomitou na varanda toda e ele mandou você limpar. ― Aquele homem alto se encosta na armação da porta e cruza os braços, acentuando ainda mais o volume de seu peitoral.

― Eu não vou descer.

― Eu só estou passando o recado, não vou lhe tirar a força do quarto e te levar, mas conhecendo o seu pai como conheço, acho melhor você obedecer.

― Como você conhece? ― Renato ri ironicamente. ― Não faça graça policial.

― Eu tenho nome. ― Ele descruza os braços.

― Eu sei que tem, assim como todos os outros imbecis lá em baixo, e como os outros, eu não me importo.

― Eu não sou como os outros. ― Ele finalmente passa pela porta, fazendo com que Renato se afaste.

― Bem, você não se comporta como se fosse diferente.

― Eu só estou me adaptando à maioria, coisa que você também faz.

― Mas não preciso ofender ninguém.

― Eu preciso, infelizmente. ― Ele dá mais um passo, fazendo com que Renato recue outra vez.

― Não precisa.

― Se você vivesse em meu meio de trabalho, saberia o que passo.

― E se você vivesse com meu pai, saberia o que enfrento todos os dias. As repreensões por “mau comportamento” diante dos outros. Os tapas na cara que já levei por não ser o que ele quer. Essas festinhas regadas a pessoas de comportamento duvidoso. As piadas preconceituosas que tenho que ouvir toda semana sendo que eu sou... ― Ele se cala, de uma só vez, ao perceber a burrada que fez.

― Sendo que você é?

― Esquece o que te falei, não importa. ― Ele se encolhe de medo, sem saber o que aconteceria, se aquele homem contaria alguma coisa para o seu pai.

― Sendo que você é gay? ― O homem diz, baixo.

― Não foi isso que... ― Renato é interrompido.

― É exatamente isso. Eu percebi desde o primeiro dia que te vi.

― Você o que? Quer dizer... ― Ele se concerta. ― Não era isso que eu iria te dizer.

― Não precisa mentir rapaz, não estou aqui para te julgar. Não vou contar nada para o seu pai.

― E o que me garante isso? ― Ele finalmente confessa de forma singela.

O homem de pele negra vai até a porta, e com cuidado, a fecha, com chave. Logo em seguida, se vira para o rapaz a sua frente, de corpo frágil e olhos cor de mel. Ele observa Renato tremendo e sente medo pelo que estava prestes a fazer, mas ele precisava, ele precisava saber qual era a sensação, e ele descobriu o quão incrível era quando pressionou seu corpo contra o do rapaz e o beijou. Foi a primeira vez que o policial havia beijado um homem, a primeira vez que ele pode sentir tudo aquilo, e tudo o que ele queria naquele momento era que não acabasse nunca, mas infelizmente ele foi empurrado pelo homem menor.

― Você não tinha o direito de fazer isso! ― Renato elevou a voz.

― Eu só... ― O policial havia ficado nervoso. Ele iniciou aquilo com o intuito de tirar sua dúvida, uma cisma de sua cabeça, mas o que sentiu quando o fez não foi o esperado. Ele gostou de cada segundo em que seus lábios estavam na boca de Renato.

― Sai do meu quarto, por favor, sai... ― Renato caminha até a porta e a abre, deixando o homem passar.

― Me desculpa. ― Ele encara Renato, que sente suas pernas bambearem.

― Só vai...

Quando Renato finalmente fecha a porta, ele se dá conta de tudo o que havia acontecido, e o medo toma conta de seu corpo. Ele havia se assumido para um estranho, e para completar, havia se deixado levar pelo beijo, e ele nem ao menos pensou em rejeitar logo no primeiro segundo, porque era tudo o que ele queria, tudo o que ele desejou desde o primeiro minuto que ele viu aquele homem, desde aquele momento constrangedor. E foi assim que tudo começou.

Renato já havia colocado seu short de dormir, assim como Leandro havia completado sua farda. Eles se abraçavam, um momento só deles e de mais ninguém, porque só ali eles poderiam pertencer um ao outro. Fora daquele quarto escuro o relacionamento entre os dois não existia, e por mais triste que isso possa ser, os deixava com um sorriso bobo estampado no rosto. Isso era tudo o que poderiam ter no momento, e eles sabiam disso.

― Eu te espero amanhã. ― Renato diz.

― Eu não sei se poderei vir. Tenho que cuidar do meu filho... ― Ele abraça Renato, que afunda sua cabeça em ombros largos.

― Tudo bem... ― Ele soou desapontado, mas sabia da situação de Leandro. Sabia sobre seu filho recém-nascido, assim como sabia do casamento às pressas e turbulento devido a gravidez. Renato sabia de tudo isso, e não se importava.

― Mas eu vou fazer o possível, eu prometo. ― Ele sorri.

― Nos vemos mais tarde então... ― Renato o abraça e o beija lentamente, tomando o corpo daquele homem para si.

― Assim espero. ― Leandro sorri.

O rapaz mais jovem se direciona até a janela e a abre lentamente, sem a deixar fazer barulho. Ele recebe um último beijo do policial, que sai pelo pequeno espaço e pula o muro da casa, desaparecendo no meio da floresta.

O jovem então fecha a janela com cuidado e então se deita.

Ele conseguia sentir o cheiro de Leandro impregnado nos lençóis de sua cama. Sentia o suor molhando suas costas nuas e o cheiro de sêmen, e tudo isso contribuiu para que seu sono fosse ainda mais tranquilo.

O amanhecer do dia seria como outro qualquer, mas sabendo que iria dormir sobre o mesmo colchão em que esteve com o único homem importante de sua vida, tudo se tornava mais calmo, mais tranquilo. Era como se nada de errado pudesse acontecer, e foi com esse pensamento que ele finalmente adormeceu, se lembrando que alguém finalmente se importava com ele.

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Boa Tarde... Rsrsrs.

Como prometido, aí está o primeiro capítulo de 'A Vida & Morte De Renato', e eu tenho que confessar a vocês que fiquei muito feliz por terem preferido o novo título. Enquanto eu conversava comigo mesmo e com o Jonathan para ver se eu mudava ou não, eu apenas temia que vocês não gostassem, mas parece que esse ficou realmente melhor, e ao longo do conto irão entender o porque to novo título.

Eu tinha prometido que responderia os comentários hoje, mas tive um pequeno imprevisto e não consegui, então só vou postar o primeiro capítulo mesmo. Sobre a quantidade de capítulos, dessa vez eu não vou falar. Rsrsrs. Quero apenas ir postando, mas uma dica, 'A Vida & Morte De Renato' tem um número menor de capítulos se levarem em conta 'Comum & Extraordinário', então...

No mais, vou deixar vocês agora, ainda estou trabalhando e tenho algumas coisas para resolver.

Espero que gostem e que comentem, porque fiz esse conto especialmente para vocês.

Um beijão e um abração para todos, e obrigado por tudo.

Comentários

Há 2 comentários.

Por bielpassi em 2016-02-16 13:35:29
amei so responde os meus outros comentários rsrs
Por diegocampos em 2016-02-15 19:41:48
Muito interessante esse capítulo já estou gostando do Leandro e do Renato juntos a história parece ser bem interessante e estou mega ansioso para o próximo capítulo é para saber como isso vai acabar.