16. Velhas amizades

Conto de Luã como (Seguir)

Parte da série Proibido

- tem certeza que não quer ir de avião? Eu passo minhas milhas pra você.

- tenho. Guarda elas pra quando precisar. Eu vou de ônibus, aproveito pra ler um livro, sei lá.

- ou paquerar o carinha do banco do lado, eu te conheço, Arthur. Você é um safadinho.

- se eu me chamasse Samuel, com certeza. – brinco, tirando o cinto de segurança e pegando minha mochila. – e você trata de se cuidar aqui enquanto eu estiver fora.

- pode deixar, mamãe. E você me deseja sorte na reunião com o pessoal lá.

- você vai arrasar, tenho certeza.

Olho para ele por dois segundos e então lhe abraço, abrindo a porta do carro e saltando pra fora. Vou até a porta de trás e pego minha sacola de viagem, então aceno para Samuel, enquanto ele arranca para a saída do terminal rodoviário. Daqui a alguns minutos ele vai estar fazendo a entrevista da vida dele e eu acho que ele está terrivelmente atrasado pra isso.

Caminho entre as pessoas apressadas e cheias de malas e sacolas de viagem até a área dos guichês. Depois de comprar a passagem, ando a passos apressados pelo saguão, passando pela área de alimentação, que mistura aromas de café preto e lanches, até chegar nas escadas. Com um pouco de dificuldade, chego até o box 21 para embarcar no ônibus. Não demora muito até estarmos saindo da rodoviária, indo em direção à avenida movimentada. A viagem até Presidente Prudente é sempre calma e cheia de paisagens de encher os olhos. Assim que pegamos a rodovia, resolvo sacar meus fones de ouvido da mochila e procurar meu livro, que já está lido mais da metade. Acabo me desligando de tudo e entrando na história de "Como eu era antes de você" e no romance emocionante de Lou e Will.

O tempo acaba passando mais rápido que eu imaginava, até mesmo para uma viagem de pouco mais de nove horas.  O livro acabou me prendendo até que eu terminasse por completo, me deixando chorando feito um bebê e com aquela sensação de vazio de quanto se termina de ler uma história tão boa e tão triste. Já passam das 18h quando o ônibus atravessa os limites da cidade e então meu coração bate um pouco mais depressa. Vejo várias ruas que eu andei quando adolescente, vários pontos de encontros com os amigos do ensino médio, tantas lembranças boas que acabam voltando para me deixar nostálgico. Paramos na rodoviária e eu começo a pegar minhas coisas e garantir meu lugar na fila para sair do ônibus. Assim que piso pra fora do veículo, avisto meu pai parado logo adiante me esperando, sorridente. Vou até o motorista, que está alcançando as malas e sacolas dos passageiros de dentro do bagageiro e pego a minha, caminhando um tanto desengonçado logo em seguida até meu pai.

- pai!

- oi filho! – recebo um abraço um pouco atrapalhado, tanto por causa das bagagens quanto pela nossa falta de jeito de demonstrar afeto. Meu pai sempre foi muito atencioso, mas eu sempre me sinto mais confortável abraçando minha mãe e dando um aperto de mão forte nele. Ele insiste para levar minha sacola até que eu o deixe, então seguimos para a área dos carros conversando sobre a viagem.

- e cadê a mãe?

- ela ficou de fechar a mercearia mais cedo e preparar o jantar. Não parava de falar a semana toda que você vinha! – ele diz animado enquanto ajeita minha sacola no porta malas.

Ja dentro do carro, ajeito o cinto enquanto meu pai arranca em direção à rua. Estou vendo minha antiga escola pela janela, então solto um suspiro. O mesmo acontece com a lanchonete da dona Alzira, que hoje em dia eu já nem sei se é dela ainda, mas que guarda todas as minhas lembranças das sextas feiras depois da aula, quando eu vinha com meus amigos comer o melhor lanche de calabresa e a melhor porção de batata frita que eu já experimentei até hoje. E é claro que logo me vem na cabeça as vezes que pedíamos para Fabiana, que era maior de idade, comprar vinho, vodka e refrigerante e então fazíamos verdade ou consequência na casa dela, uma quadra abaixo. Coisas que minha memória já havia encaixotado e deixado empoeirado, mas que agora eu resgato e sinto saudades.

Ao chegar na frente de casa, vejo que a mercearia já está fechada. Logo acima, as luzes de casa estão acesas e eu quase consigo sentir o cheiro da comida da minha mãe daqui. Subindo as escadas, ouço o barulho das panelas e o cheiro tão familiar de comida caseira se torna real, invadindo meu nariz e aguçando meu olfato.

- filho! – grita minha mãe, ao me ver passar na porta. Ela larga o pano de prato no balcão ao lado do fogão e vem ao meu encontro, me abraçando e fazendo eu perceber o quanto eu havia sentido falta de seu abraço.

- o cheiro tá ótimo!

- vem, tira essa mochila das costas e vem jantar! Você tá tão magro Arthur, tá se alimentando direito?

- to mãe. – falo sorrindo, a preocupação de mãe estampada em seu rosto.

Já na mesa, ela faz questão de me servir, coisa que me deixa um pouco sem jeito, mas decido não contrariar. O fato é que não existe feijoda melhor no mundo do que a da minha mãe. Eu penso que se ela for fazer almoços e jantares pesados desse jeito, vou voltar pra São Paulo com vinte quilos a mais. Estou comendo meu prato com vontade quando ela decide puxar assunto, uma mania de família de não deixar a refeição ficar silenciosa demais. Pra eles, essa é a hora em que a família está reunida e precisa conversar, interagir, e é isso que acabamos fazendo. Só que, como se não fosse óbvio, a primeira pergunta feita pra mim era a que eu estava tentando tanto evitar:

- e o trabalho filho, como vai?

Eu olho para ela e depois para meu pai, mexo a comida um pouco no prato e então vejo que não tem como esconder deles por muito tempo.

- eu me demiti, mãe. Não to mais no banco.

- se demitiu? Por que?! – a reação dela era muito mais do que óbvia, era compreensível.

- não me adaptei muito por lá, então acabei saindo.

- como assim não se adaptou, Arthur? Você tava adorando trabalhar lá. – meu pai complementa, ambos me pressionando contra a parede.

- eu... só não achei que era minha área. Era muita cobrança, também tinha o lance do namoro com o Gustavo, achei melhor encontrar outra coisa.

- emprego não se dá em árvore, Arthur, principalmente um bom como esse. Com essa crise, tá tão difícil de conseguir alguma coisa...

- mas vai dar tudo certo, eu tenho uma reserva na poupança que vai me salvar por esse tempo que eu ficar sem nada. E também eu precisava descansar um pouco.

Vejo que eles não engolem minha desculpa furada, mas felizmente decidem não insistir. O resto do jantar se passou um pouco mais silencioso, o que era de se esperar. Depois de comermos, insisto com minha mãe para que eu lave a louça, então ela me ajuda, secando e guardando.

- e o Gustavo? Tá bem?

Outra pergunta que eu queria evitar. Minha mãe não é boba, está começando a juntar as peças.

- tá sim, eu acho. – olho para ela e não preciso dizer mais nada. Ela consegue captar no ar e no meu tom de voz, então não faz mais nada além de enxugar a mão no pano de prato e acariciar meu braço, em silêncio.

- tão precisando de uma mão na mercearia? Eu pensei que enquanto eu estivesse aqui eu poderia ajudar.

- claro! Toda ajuda é bem vinda. Seu pai fica no açougue e às vezes é uma loucura pra eu ficar sozinha tomando conta do resto, então eu fico feliz em ter você lá.

- legal. – digo com um meio sorriso ao terminar de lavar o último prato. – mãe, eu queria muito ficar mais um pouco com vocês, mas eu to meio cansado... Você se importa se eu for deitar?

- não, claro que não! Você fez uma viagem longa, e amanhã a gente abre cedo. Vai lá.

- tá bom então. Boa noite, e obrigado por tudo, tava muito bom. – lhe dou um beijo na testa e caminho em direção à sala, então ela me chama de volta e eu me viro, quase na porta.

- se você quiser conversar, sobre qualquer coisa... Eu estou aqui.

Dou um sorriso de gratidão e sinto meus olhos brilharem. Eu senti falta de todo esse acolhimento.

- obrigado mãe.

Dou boa noite para meu pai, que está na sala assistindo televisão, e então vou para o meu quarto.

Assim que entro, vejo a cama perfeitamente arrumada, com minhas coisas em cima (provavelmente meu pai deve ter trazido depois do jantar) e tudo com um cheirinho de lavanda que revela a faxina feita para minha chegada. Puxo fundo o ar ao ver meu quarto do jeito que sempre foi; as paredes em amarelo claro, com o meu pôster do Star Wars intocado, perfeitamente alinhado bem ao lado da minha prateleira com meus livros da escola. A escrivaninha em carvalho combinando com a cama, que está pintada de branca e cheia de adesivos dos Simpsons em todo seu contorno. Sorrio ao pensar que o tempo passou depressa e que agora eu já sou adulto, tendo que lidar com problemas de adulto e, mesmo que inconscientemente, querendo voltar a ser o garoto de 17 anos do ensino médio que não tinha nenhuma preocupação. Sinto o cansaço bater, então acabo apenas tirando minha roupa e pescando outra mais confortável na sacola. Me deito na cama e sinto o cheiro de roupa de cama limpa, puxo o edredom e antes mesmo que eu pudesse parar pra pensar, o sono já começa a me vencer.

_

O sol entra forte pelas cortinas, revelando o começo de um dia claro e limpo. Me levanto e vou direto ao banheiro, sentindo minha bexiga apertar. Depois de fazer minha higiene matinal, caminho descalço até a sala e não encontro ninguém.

- Mãe? Pai?

Silêncio. Olho no relógio da parede da cozinha e já marcam 8:41. Droga, eles ja devem estar lá embaixo! Corro para trocar de roupa e trato de descer para a mercearia. Como eu esperava, lá estavam eles, trabalhando.

- bom dia!

- bom dia mãe. – respondo, sonolento. – por que não me chamou?

- fiquei com pena de te acordar, tava dormindo tão empacotadinho na coberta, deixei você ficar um pouco mais.

Isso é a cara dela. Sacudo a cabeça em reprovação e já vou para trás do balcão, ao lado dela.

- bom, espero não estar enferrujado. Alguma coisa que mudou e eu deva saber?

- não, mesma coisa de sempre. Eu vou lá atrás pegar algumas coisas pra repor, se precisar você me chama.

Ouço o barulho da máquina de cortar carnes ligada mais ao fundo, então sei que meu pai também já está com a mão na massa. O balcão grande e forte em madeira continua inteiro, o que me espanta, ainda mais por nunca ter sido trocado. O baleiro de vidro dos modelos antigos é uma das coisas que eu mais gosto aqui na mercearia, pois me remete aos meus dez anos, quando eu sempre dava prejuízo pros meus país ao encher os bolsos de bala e chiclete. A mercearia como um todo parece ter parado no tempo; as prateleiras, a entrada com cestos de chás e temperos, o chão de ladrilho com marcas do tempo em suas cores e texturas, nem o prédio sendo recém pintado e expandido na área do açougue tirou o charme do lugar.

- Arthur? É você?

Saio depressa dos meus devaneios e não acredito ver quem eu estou vendo.

- Henrique? Meu Deus, quanto tempo!

Contorno o balcão e o abraço. Caramba, como ele cresceu! Henrique era um dos meus melhores amigos da infância e da adolescência. Estudamos juntos desde a quinta série e éramos inseparáveis, até eu ganhar a bolsa de estudos e me mudar pra São Paulo. Desde então, nunca mais nos falamos.

- caramba, o que você tá fazendo aqui? Vai dizer que o menino da cidade grande voltou pra cá?

- não, só estou passando uns dias. E você, como tá?

- ótimo, melhor agora que te reencontrei! Eu nunca imaginava que te veria de novo atrás desse balcão, aqui em Presidente.

- pois é. – falo sem jeito, colocando as mãos nos bolsos. Impressão minha ou ele ficou mais forte e mais bonito? Será que andou malhando?

- e o que tá achando? A cidade mudou muito?

- não, na verdade tá do mesmo jeitinho. É isso que eu mais amo aqui, nunca perde a identidade.

- cara, eu to muito feliz que você tá aqui, você sempre vinha a passeio e a gente nunca conseguia se ver! Eu também ando bastante ocupado ajudando meu pai lá na oficina, então você sabe...

- é eu imagino!

Um silêncio de uns dois segundos paira no ar, enquanto Henrique me olha de um jeito avaliador, então ele me alcança o saco de pão fatiado, a cartela de ovos e o litro de leite que estava segurando em suas mãos. Eu volto pra trás do balcão e começo a passar as coisas, até que ele acaba quebrando o silêncio:

- você vai fazer alguma coisa hoje à noite?

- hoje à noite? – eu repito, engolindo em seco. Ah céus, já era de se esperar. – não, vou não.

- o que você acha de sair? Sei lá, ir até um barzinho, conversar, contar as novidades. 5 anos devem guardar muitas coisas pra contar.

- eu acho uma boa! Tem muita coisa mesmo.

- beleza então. Eu te pego aqui as oito, pode ser?

- pode.

- legal. Marcado então.

Eu sorrio e lhe alcanço as sacolas, então ele sai, me deixando um pouco zonzo.

- quem era? – minha mãe surge da porta do estoque, as mãos cheias de pacotes de macarrão e de farinha de trigo.

- era o Henrique, um antigo amigo meu.

- o Henrique? Ah, menino bom ele! Esses dias ainda ele veio aqui e perguntou de você. Ele cresceu, ficou mais bonito ainda!

- é, ficou... – eu concordo, quase que no modo automático, pensando em como aquele menino magrinho, desengonçado e dono de um belo par de olhos azuis, que jogava futebol no time da escola e era um tanto nerd, acabou virando esse cara lindo que acabou de sair daqui.

O dia acaba passando rápido, os muitos clientes e amigos já conhecidos me param para conversar e todos parecem felizes em me ver, então eu me sinto ainda melhor de estar de volta. Quando chega perto das 19h, nos preparamos para fechar. Meu pai está limpando a máquina de cortar carnes, enquanto eu e minha mãe cuidamos da loja. Eu passo uma vassoura no chão, logo depois de ter fechado o caixa, e ela cuida da reposição das prateleiras. Assim que saímos pelos fundos, vejo que, com a chegada da noite, a temperatura acabou caindo consideravelmente, mas nem isso faz eu desanimar. Me pego um pouco animado demais para esse encontro, mas para todos os efeitos, somos melhores amigos de infância e eu estou indo matar as saudades dos velhos tempos.

Tomo um banho rápido e acabo demorando um pouco mais do que o necessário ao escolher a roupa, mas no fim acabo vestindo minha camiseta preta de manga comprida e minha jaqueta jeans, junto com minhas calças cor mostarda e meu tênis branco. Como se fosse cronometrado, quando termino de espirrar um pouco de perfume eu ouço a campainha tocar. Pouco tempo depois ouço a voz de Henrique cumprimentando minha mãe, então decido ir logo até eles. Quando chego na sala, vejo Henrique vestindo uma camisa vinho por baixo de um casaco preto, uma calça jeans escura e um sapatênis. Olho para mim mesmo e penso que talvez eu esteja muito informal, mesmo que ele tenha sugerido apenas um barzinho.

- ah meu Deus, deixa eu só trocar de roupa rapidão pra...

- não, não precisa. Você tá lindo.

O elogio inesperado faz minhas bochechas esquentarem, enquanto eu vejo minha mãe fazendo aquela cara de quem já sabe o que está acontecendo.

- tá. – eu quase sussurro, então me aproximo dele e me despeço de minha mãe antes de sairmos para o ar gelado da rua.

- tem certeza que tá tudo bem? Eu posso ir lá trocar...

- não, não precisa. Eu que vim muito arrumado.

- não, ta legal assim.

Seguimos até seu Celta dos modelos antigos e partimos em direção ao centro da cidade, em um bar aconchegante e, segundo Henrique, recém inaugurado.

O clima requintado me faz reforçar a ideia de que eu estou mal vestido, mas eu acabo não ligando tanto. Sentamos em uma mesa perto da janela, então eu vejo como a luz indireta e a decoração rústica deixam o lugar ainda mais charmoso.

- gostou?

- é, você me parece ser um bom guia.

- um guia pra sua própria cidade natal? Que palhaçada, hein?!

Eu sorrio e ele também, então ele volta a me olhar daquele mesmo jeito. Ah Henrique, vai com calma, amigão...

- vocês já querem pedir? – o simpático garçom chega e interrompe nosso momento constrangedor, felizmente.

- eu vou querer um chopp e uma porção de frango a passarinho. E você?

- um chopp, também.

O garçom anota nossos pedidos e então nos deixa à sós novamente.

- você chegou quando?

- ontem.

- ah, faz pouco tempo! E como tá São Paulo?

- ta boa. Sabe como é, um pouco de caos, de trânsito, mas faz parte.

- engraçado, você sempre teve cara de quem ia sair daqui algum dia. Você tem cara de cidade grande. Eu só não pensava que você ia tão cedo.

- pois é, nem eu. Às vezes eu acho que devo ter ido um pouco cedo demais.

- você se arrepende?

Paro pra pensar um pouco. Apesar de tudo, acho que eu gosto de ter conquistado minha independência tão cedo.

- não.

Ele sorri, então o garçom chega com nossos copos. O ambiente começa a ficar movimentado e aos poucos nossa conversa vai emendando com lembranças da escola, antigos planos pra depois de formados, o drama que eu e ele vivemos ao nos assumir para nossos pais quase que ao mesmo tempo... A verdade é que eu e Henrique sempre tivemos uma ligação muito especial e perder o contato assim de repente me fazia ficar triste. Eu havia trocado de telefone e acabei perdendo todos os meus contatos, além de que naquela época eu ainda nem tinha facebook, o que dificultou ainda mais nossa reaproximação depois que eu me instalei em São Paulo.

- e como tá seu coração, menino Arthur?

"Remendado. Completamente fodido, de todas as piores maneiras." – penso comigo mesmo e quase rio.

- ainda em recuperação. – digo ao mordiscar um aperitivo e tomar um gole do meu chopp.

- ah então alguém finalmente conseguiu fisgar seu coração? Me conta!

- foi uma coisa rápida, tão rápida quanto estranha. Eu tava começando a me apegar, mas ele só queria curtição.

- que droga hein.

- acontece.

- se você tivesse me dado chance quando eu corria atrás de você, isso não teria acontecido.

E lá vai ele soltar outra bomba no meu colo. Sinto minhas bochechas corarem novamente, a milésima vez desde que eu me sentei nessa mesa. Seu dúvidas Henrique aprendeu muito bem a como ser galanteador nesse tempo em que fiquei fora da cidade.

- é, mas agora meu coração tá fechado pra balanço. Na verdade nem deveria ter sido aberto.

- e é por isso que existem os amigos, pra ajudar os outros amigos a curar a fossa! – ele levanta a caneca de chopp, propondo um brinde, então eu pego a minha e o imito.

Ficamos entretidos por mais um bom tempo antes de Henrique pedir a conta.

- antes de te deixar em casa, quero te levar em um lugar. – ele me analisa com os olhos azuis brilhando e com o tom de voz misterioso. Seguimos o caminho contrário até chegarmos na frente da lanchonete da Dona Alzira. Assim que reconheço o lugar, olho pra ele, incrédulo.

- mentira que você me trouxe aqui!

- bem vindo de volta à cidade, menino Arthur!

Saio do carro com a antecipação quase palpável, entrando antes que Henrique e sentindo o cheiro tão familiar dos lanches. Nos sentamos e acabamos pedindo o que sempre pedíamos depois das aulas; um de frango com bacon pra ele e um de calabresa pra mim.

- caramba, eu nunca mais tinha vindo aqui! Hoje mesmo eu passei em frente e fiquei lembrando da época da escola.

- é, agora não precisamos mais pedir pra Fabiana comprar as bebidas. Temos idade e barba o suficiente pra isso, mesmo que as caras de criança continuem as mesmas.

- é, nisso você tem razão. – sorrio ao ver que ele também lembra sobre as bebidas e sobre Fabiana.

Os lanches logo ficam prontos e eu pareço ter ido ao céu e voltado, assim que mordo o primeiro pedaço. O lanche de Henrique veio prensado, como ele sempre pedia. De certa forma, parece que voltamos seis anos no tempo e que estamos com nossas mochilas penduradas nas cadeiras, os livros em cima da mesa e com toda a nossa antiga turma de amigos reunida.

- quanto tempo você pretende ficar? – ele pergunta, me fazendo voltar à realidade.

- hum, eu não sei ao certo. Uma semana, talvez.

- só uma semana? Se você pode ficar mais, porque ir tão cedo?

- ah, é complicado, Rique. Eu acabei de sair do meu emprego e preciso achar outra coisa logo, preciso voltar aos eixos.

- uma semana a mais ou uma semana a menos não vai fazer diferença. Pelo menos aqui você vai ter uma ótima companhia. Uma companhia até insuportável, diga-se de passagem.

Acabamos sorrindo e eu paro pra pensar por um momento que talvez eu não precise voltar tão cedo pra São Paulo. Talvez eu tenha muito mais coisas pra aproveitar e curtir aqui em Presidente, antes de voltar à rotina. Henrique ter ressurgido foi só uma das várias coisas que essa cidade pode me surpreender, já que eu nasci e passei uma boa parte da minha vida aqui.

Na hora de ir embora, seguimos um pouco mais em silêncio, mas não em uma situação em que se falta assunto. Pelo contrário, nossa noite havia sido proveitosa, havíamos matado a saudade e recuperado os anos de amizade que se desgastaram pela distância. Ao parar o carro no meio fio, Henrique desliga o motor e fica com seu braço apoiado no volante, me olhando. O modo como ele se move, como ele me olha, tudo parece tão sedutor, mesmo que aparentemente despretensioso. Não tenho a menor dúvida que o tempo fez muito bem para meu amigo.

- então é isso. Espero que tenha gostado da mini tour.

- foi muito boa! De verdade.

- boa o suficiente pra gente repetir a dose, qualquer dia desses?

- claro! – por que não?

- legal. Obrigado pela companhia, menino Arthur.

- eu que agradeço. – sorrio e vejo-o se aproximando e me puxando para um abraço, o que me faz ficar um pouco sem jeito.

Saio do carro e aceno para ele, que sorri e retribui antes de ir embora. Assim que o carro vira a esquina, abro o portão e penso que talvez Henrique ainda possa sentir algo por mim, o mesmo sentimento que começou a florescer no terceiro ano, antes de eu ir embora. O problema é que ele parece ser perfeito; bonito, honesto, inteligente, de boa família... Mas meu coração ainda é de Gustavo. E isso é o que me deixa mais aborrecido. Meu coração ainda pertence a alguém que não o merece. Então, mesmo que eu não queira nada com ninguém agora, e mesmo que eu esteja querendo apenas a amizade sincera de Henrique, estar em Presidente Prudente vai ser ótimo para esquecer tudo aquilo que me faz sofrer e voltar à vida normal, mesmo que aos poucos. Portanto, ao contrário do que eu pensava, estar aqui não é necessariamente sinônimo de fugir dos meus problemas, e sim me preparar pra enfrenta-los, quando eu voltar.

Comentários

Há 4 comentários.

Por Luã em 2017-05-16 13:53:04
Ei gente! Tudo bem? Só posso dizer uma coisa: tem muita água pra rolar ainda e Amanda pode se mostrar alguém muito pior do que vocês imaginam. É melhor correr pra descobrir mais coisas no capítulo novo, reviravoltas são coisas cada vez mais presentes na vida do pobre Arthur. Espero que gostem!
Por edward em 2017-05-15 23:01:43
Muito boa ! Suspeito que Duda tem alguma ​coisa com o irmão de Gustavo ! Espero que as coisas possam ser esclarecidas !Bjs 😘😘
Por Dannnn em 2017-05-06 20:35:37
Espero que ele é o Gustavo se acertem, amo os dois!
Por Dannnn em 2017-05-06 20:33:36
Necessito do próximo capítulo