08. Happy (?) hour

Conto de Luã como (Seguir)

Parte da série Proibido

O motor suave do meu novo carro é um contraste assustador com o ronco do meu branquelo idoso, que agora está parado na garagem do apartamento, aproveitando sua recente aposentadoria. Apesar de achar que não vou mais usá-lo, não consigo simplesmente me desfazer dele, portanto, deixá-lo paradinha lá sem incomodar ninguém é a melhor ideia pra mim agora.

O caminho curto que eu faço apressadamente entre o carro e a porta da agência já é o suficiente pra deixar meu cabelo e minha roupa levemente molhados com a garoa que cai desde ontem. Passo pelo salão de autoatendimento, dou bom dia aos estagiários e sinto falta de Amanda, que ja deveria estar ali. Cumprimento os vigilantes ao passar pela porta giratória e subo para o meu andar, que assim como todos os outros dias, é o mais vazio e silencioso de todos. Consigo ouvir os barulhos dos meus passos tranquilamente enquanto caminho até minha mesa, e é quando eu largo minha pasta na mesa que eu tomo o maior susto que eu já tive em um dia de manhã aqui na agência, superando até o susto de ver que Gustavo trabalhava ali, no meu segundo dia.

- e aí formando!

- Amanda! Que susto! – eu tento dizer em um tom que não se faça muito alto pra não soar escandaloso. – O que você tá fazendo aqui em cima?

- vim buscar um pouco de café e procurar a Duda, mas eu não achei ela. Você viu ela por ai?

- não, também não.

- bom, daqui a pouco ela deve tá chegando. – ela fala ao se encostar de lado na mesa e ficar de frente pra mim, esfriando o copo plástico com seu café. – mas eu também quero aproveitar e te convidar pra sair hoje, o que me diz? Eu, você, a Duda, barzinho?

- hoje? Hum, hoje não dá, Amanda. Meus pais tão aqui na cidade ainda, vão embora hoje inclusive, e eu quero ficar com eles. Amanhã, o que você acha?

- certo, amanhã. Mas sem furar hein? Temos que comemorar e também conversar sobre as novidades. – o modo como ela enfatiza a última palavra deixa claro que eu vou passar por um interrogatório envolvendo Gustavo.

Eu apenas sorrio enquanto ela se despede e segue em direção dos elevadores e eu começo a me organizar pra trabalhar. Ainda não são nem 9h da manhã mas eu já estou animado pra trabalhar, animado até demais para uma segunda feira. À medida que os outros chegam e me cumprimentam, eu dou alguns goles em meu café e me jogo cada vez mais de cabeça nos meus relatórios e nos problemas de cadastro que eu preciso resolver, então eu nem vejo o tempo passar. Mas, justo quando eu tiro meus olhos da tela do computador e procuro por Gustavo em sua mesa, ele está lá, absurdamente lindo com a cara de quem acordou cedo, o cabelo úmido de banho e talvez um pouco da chuva e totalmente compenetrado lendo alguns documentos. Dou um sorriso discreto ao olhar pra ele e depois me certifico de que ninguém tenha visto.

"Arthur, você realmente precisa se controlar mais. Ou não, talvez" – minha mente entra em conflito com meu bom senso, então eu acho melhor eu voltar a fazer minhas coisas e evitar problemas maiores.

- Arthur, você pede pro Gustavo assinar esse documento pra mim, por favor? – Melissa me pede aflita, com algumas pastas espalhadas pela mesa, então eu logo deduzo que ela está com muito mais coisas do que eu pra fazer.

- claro. Deixa comigo.

- obrigado. – seu sorriso é de alívio. Será que é por causa que eu estou ajudando ela a não precisar parar seu trabalho ou porque ela não vai precisar ir até lá, na mesa do gerente que é visto como chato e com gênio difícil? De qualquer forma, sou eu quem agradeço, Melissa!

Me levanto e caminho calmamente até a saleta de Gustavo, tentando demonstrar o máximo de neutralidade ao chegar perto do homem que fez sexo comigo o final de semana inteiro e que apenas me deu um carro novo como presente de formatura. Agora há um outro funcionário conversando com ele, sentado em sua frente e aparentemente nervoso, assim como qualquer pessoa que eu vejo em sua frente. Qual é pessoal, ele não é tão ruim assim. Ele pode ser um amor de pessoa, quando quer. Pelo menos eu acho.

- licença Gustavo.

- ah oi Arthur, pode entrar! – estamos em uma espécie de competição pra ver quem é o mais cínico aqui ou eu estou enganado? A impressão que passamos é que realmente somos apenas chefe é funcionário.

- tem um documento pra assinar, você tem um minuto?

Ele apenas sorri e estende o braço pra que eu lhe alcance o documento, então eu olho cordialmente para o pobre homem com os dedos entrelaçados em seu colo e sorrio, então ele faz o mesmo, só que mesmo assim aparentando nervosismo.

- prontinho. Alguma coisa mais? – a expressão provocante disfarçada de imparcialidade está me deixando com os nervos exaltados. Ah Gustavo, com certeza tem algo a mais que eu queria, mas agora não dá.

- não. Obrigado.

Saio da sala pensando que talvez minhas bochechas possam estar da cor de um tomate, mas eu torço pra que isso seja apenas coisa da minha cabeça. Assim que eu volto e vou até o armário pegar um marcador de texto e uma caixa de grampos, vejo que está tudo vazio, então decido ser prestativo e ir até o almoxarifado buscar tudo o que está faltando.

Assim que entro entre as várias prateleiras cheias de materiais de escritório, começo a tentar localizar tudo e acho engraçado eu dar voltas e perceber que cada coisa que eu preciso está bem longe uma da outra.

"Falta de planejamento" – penso comigo mesmo, em um tom brincalhão e irônico.

Estou com as mãos cheias quando me estico um pouco pra pegar uma caixa de folhas A4 na prateleira quando escuto um barulho vindo da porta e vejo por entre as fendas das prateleiras alguém entrando. Minha maior surpresa é quando vejo quem veio ate aqui.

- precisando de ajuda?

- Gustavo? – meu tom de voz retrata com fidelidade meu susto ao vê-lo e ouvir sua voz. Agora ele parado em minha frente, vestindo aquela roupa social tão sexy e tão apropriada pra ele me faz começar a imaginar coisas.

Seu sorriso sedutor parece me puxar pra ele como um imã, enquanto eu tento lembrar a mim mesmo que estou no trabalho e que não posso ceder aos encantos dele.

- nã...não, tá tudo tranquilo. Precisa de alguma coisa? – falo tão rápido que até me questiono se ele entendeu ou se eu pareci uma pessoa normal nesse momento ou se eu pareci alguém atrapalhado o bastante pra se atropelar nas palavras. Acho que eu vou com a segunda opção, já que ele ri da minha atitude.

- tá nervoso?

- Gustavo, a gente tá trabalhando.

Mesmo eu tentando ser duro o suficiente pra mim, pareço não ter sido duro o suficiente pra ele, que se aproxima ainda mais de mim e pega a pilha de coisas das Minhas mãos e repousa sobre a prateleira, me deixando com as mãos livres e suadas de nervosismo.

- senti saudades suas ontem de noite. Acho que eu to ficando mal acostumado.

- Gustavo, não.

Seus braços me cercam e eu fico encurralado, as costas coladas na superfície de ferro e minha calça já ficando apertada.

- só um beijo, vai. Não tem ninguém aqui.

- se alguém ver pelas câmeras. – agora eu sou apenas um sussurro querendo ser racional, mas pedindo pra que ele me beije nesse momento.

- aqui não tem câmeras.

Ele mal fecha a boca e aproxima seu rosto do meu, pega passa seu braço pelas minhas costas, encosta seu corpo quente em mim e por fim, me beija. Sua língua parece estar animada logo pela manhã e já se encontra com a minha, me deixando em uma situação muito, muito complicada.

Eu me xingo em pensamento por não conseguir me controlar, mas toda vez que Gustavo está por perto eu perco meu juízo por completo. Ele sabe meus pontos fracos e sem saber acabou de tornando um deles, como se fosse o meu calcanhar de Aquiles.

Ele se desvencilha de mim e me deixa querendo mais, mas ele é cretino o suficiente pra me deixar aceso e depois me jogar um balde de água fria só pra me provocar.

- agora acho que eu posso trabalhar em paz.

Ele diz isso, sorri e caminha em direção à porta, me deixando totalmente desconcertado. Eu pego as coisas de volta na prateleira e torço pra que ele não esteja subindo agora, ora não deixar estampado que estávamos os dois no almoxarifado. Por sorte, eu passo pela porta e vejo ele seguindo em direção a porta que dá acesso ao caixa, então acho que está tudo bem. Porém, ele escuta meus passos e olha pra trás, então me vê passando bem na hora e diz.

- precisa de ajuda aí Arthur? Você tá todo amarrotado e com o cabelo bagunçado. Vai com calma no trabalho, hein! – ele soa divertido, porém profissional, digno de qualquer chefe, mas aquela piscadela que ele dá antes de se virar e procurar as chaves pra abrir a porta.

Cretino! Como ele pode ser tão debochado? Ele sabe que foi ele quem fez isso comigo, e o pior é que eu nem tinha notado! Ele vê que eu fico irritado e posso jurar que eu o ouvi sorrindo antes de ele desaparecer porta adentro.

O resto do dia passa normalmente, a não ser pelo fato de eu querer o tempo inteiro beijar Gustavo novamente e de ficar olhando pra ele descaradamente. Essa tortura segue até o final da tarde, quando eu saio mais cedo que ele e vou rápido pra casa ficar um pouco com meus pais antes de levar eles na rodoviária.

Logo quando eu chego em casa, encontro eles e Samuel arrumando a mesa para o café da tarde. Ao largar as chaves na mesa da entrada eles me veem da cozinha e sorriem. Sinto saudade de conviver com eles todos os dias, e eu sempre lembro disso quando passo algum tempo maior com eles, como essa semana. Largo minha mochila em cima do tampo de mármore que separa a sala da cozinha e vou ao encontro deles para me juntar para o lanche.

- chegou na hora certa!

- e eu não sei? Vim pelo cheiro! – respondo minha mãe ao dar um beijo em sua bochecha e abraçar meu pai.

- sério que vocês têm que ir embora hoje? Passou tão rápido. – não consigo esconder a frustração em minha voz.

- infelizmente sim filho, tem a mercearia lá, não dá pra ficar muito tempo.

- logo o natal tá aí e você vai pra lá, certo? – meu pai complementa minha mãe, tentando soar positivos.

- é, vocês têm razão.

- eu cuido de você aqui, bebezão. – Samuel me olha e faz cara de fofo, querendo me tratar feito criança, e eu o olho com falso desprezo.

Comemos e conversamos bastante antes de chegar a hora de levar eles para a rodoviária. Meu coração sempre se aperta quando vejo eles pegando as malas e trazendo até a sala, não importa quanto tempo passe desde que eu vim pra cá. Samuel se despede deles e ele os abraça forte. Eu acho incrível a relação deles, meus pais tratam ele como um filho legítimo. Descemos o elevador e chegamos na parte da garagem ontem geralmente meu Chevette ficava, mas agora há apenas o Elantra. O Chevette está sendo bem tratado a essas horas, com todo aquele negocio de espuma, preteador de pneus e afins, no lava rápido aqui de perto de casa. Assim que eu destravo o alarme e sigo em direção do porta malas, vejo a reação de surpresa dos meus pais. Acho que terei que dar algumas explicações.

- carro novo, Arthur?

- é pai. – digo sem jeito, encolhendo os ombros. – presente de formatura.

- do Gustavo?

- Uhum.

Falo isso e termino de ajeitar as malas deles dentro do compartimento, então entro dentro do carro, esperando eles fazerem o mesmo pra poder terminar essa conversa, que eu espero ser rápida.

- você não acha que tá meio cedo pra ele te dar um carro, filho?

Sim mãe, eu acho, eu tentei dizer não, mas o Gustavo pode ser bem persuasivo às vezes. Apesar de pensar nisso, por fora nada muda e eu apenas balanço a cabeça em sinal de positivo, então ela parece ficar chateada.

- eu só não quero que você se magoe, Arthur. Relacionamentos tão rápidos assim não são o ideal.

- eu sei mãe, eu to tentando ir devagar. Eu não vou fazer nada precipitado, tá bom?

Ela suspira e por fim entende que o assunto está encerrado, então eu giro a ignição e sigo para a rua. O caminho é tranquilo e conversamos sobre nossos planos para o Natal. Essa é uma das poucas datas no ano que eu consigo ir pra presidente prudente ficar com eles e matar a saudade da cidade.

Logo quando chegamos, vamos até o balcão pra comprar as passagens e então menos de dez minutos depois o ônibus já está estacionando na plataforma 5. Eles pegam as malas na mão e meu coração se aperta mais um pouco. Acho que é algo que eu nunca vou me acostumar.

- se cuida, Arthur. E juízo, tá bom?

- tá bom mãe. Vocês se cuidem também.

- dirige com cuidado na volta. Esse aí não é o Chevette, que precisava pisar fundo pra os pedais funcionar.

- eu sei pai, deixa comigo.

Dou mais um abraço neles e então deixo eles saírem pela porta e irem para a fila do lado de fora do prédio, mas não antes de ouvir "até semana que vem" de minha mãe. Isso me faz ficar ainda mais animado com tudo. A festa de Natal, a volta pra minha cidade... É mágico. Fico forçando os olhos pra ver eles na janela e então eles aparecem, acenam pra mim e então eu ouço o motor do ônibus ligar e logo eles estão saindo do box.

Começo a caminhar lentamente em direção às escadas, já sentindo saudade deles quando meu celular toca. Saco-o do bolso e vejo uma notificação de mensagem de Gustavo.

"Ei garoto sexy, tá livre essa noite?"

Minha boca se abre em um sorriso instantâneo enquanto eu digito a resposta.

"Pra você, sempre."

Poucos segundos depois, a tela se acende novamente.

"Então vista algo mais social. Hoje é a sua vez de conhecer meus pais. Te pego as 19h."

Como assim? Conhecer os pais dele? Hoje? Caramba! Eu nunca tive esse lance de conhece os pais de alguém que eu tivesse namorando, pois eu nunca namorei. Mas é como dizem, sempre há uma primeira vez pra tudo, né?

__

O HR-V para em frente à uma casa de arquitetura clássica, remetendo aos casarões antigos, mas bem cuidado, com uma pintura amarelo fraco e detalhes brancos em volta das janelas e da porta principal. Um jardim amplo separa a entrada da garagem, feita de paralelepípedos, da varanda, cercada por plantas ornamentais e lâmpadas no chão. Tiro o cinto e não consigo deixar de ficar tenso por estar prestes a conhecer a família de Gustavo. Como será que eles são? Será que todo esse mistério que ele faz em torno da família dele é apenas frescura ou medo de eles não reagirem bem ao me conhecer? Será que eles vão gostar de mim? De repente meu estômago se embrulha e eu tenho vontade de ir embora agora mesmo, mas eu não vou fazer algo assim. Seria no mínimo uma atitude rude e infantil da minha parte.

"Qual é Arthur, não deve ser tão ruim assim." – penso comigo mesmo, tentando ser motivador.

Gustavo olha pra mim e sorri antes de abrir a porta do carro e eu fazer o mesmo, sentindo o ar fresco da rua amenizar meu nervosismo. Ele pega minha mão e eu me sinto ligeiramente aliviado, mas ele nota que ela está gelada e suando e me olha.

- nervoso?

- um pouco. – dou de ombros.

- não precisa. Eles vão te adorar, tenho certeza.

- eu espero que sim.

- não teria motivo pra ser diferente.

Eu desarmo minha armadura e ele me dá um beijo breve antes de tocarmos a campainha. Depois de alguns segundos, uma mulher de uns quarenta e tantos anos, cabelos loiros e curtos e muito bem vestida nos atende.

- ah que bom! Até que enfim vocês chegaram!

- mãe, esse é o Arthur. Arthur, essa é a minha mãe, Ester.

- é um prazer, Sra. Villalobos. – minha voz sai demasiadamente formal enquanto eu estendo minha mão para um cumprimento.

- me chame de Ester, filho!

- ah sim, Ester. – eu repito, sem jeito.

- entrem meninos, estamos todos esperando vocês pra jantar!

Ela nos dá à frente e eu mergulho naquela sala espetacular, com o teto talhado a gesso e com móveis rústicos, estupidamente elegantes e com traços antigos, mas não muito, combinando com o estilo da construção. O que mais chama a atenção sem dúvida é a lareira de pedra enorme no fundo do cômodo, com algumas poltronas e uma mesa de centro em madeira escura no meio e algumas revistas jogadas despretensiosamente em cima.

- ah Gustavo, você e essa sua mania de chegar só na hora do jantar! Dessa vez achei que você tinha fugido do recinto. - uma mulher alta, de mais ou menos 25 anos, com cabelos castanho escuros e ondulados caindo em seus ombros, chega zombando de Gustavo, fazendo ele sorrir antes de lhe cumprimentar com um abraço.

- eu não fujo das minhas responsabilidades, Leona. Até mesmo porque o Arthur não parava de falar sobre esse jantar, seria um crime não trazer ele pra conhecer vocês.

O que? Mas que cretino mentiroso! Foi ele quem me convidou de última hora pra eu ser jogado aos lobos, literalmente. Eu o olho discretamente com um olhar de xingamento que só ele consegue interpretar, enquanto sinto meu rosto ficar todo vermelho de vergonha.

- ah Arthur, eu ouvi tanto de você, que bom que você veio! Prazer! - Leona vem ao meu encontro e me abraça, dispensando formalidades.

- o prazer é meu, Leona!

Depois de dos desvencilharmos, olho para o lado e vejo a ala masculina da família, mais à frente. Sentado no sofá perto da janela está um homem calvo, grisalho e parrudo, trajando uma camisa social de fino corte e com um copo de whisky na mão. Logo ao seu lado está outro homem, esse bem mais novo, aparentemente da mesma idade de Gustavo, com os cabelos loiros ondulados e os olhos verdes, forte e elegante, assim como tudo e todos naquela casa. Me olho discretamente para me certificar de que eu esteja vestindo algo realmente apropriado pra esse jantar, já que eu não imaginava que eles seriam tão... uau. E talvez "uau" nem seja a palavra certa pra descrever o quão "uau" eles são.

- Arthur, esse é meu pai, Rodolfo, e meu irmão, Diego.

O primeiro se levanta e me dá um aperto de mão forte e firme, enquanto Diego se põe de pé e me olha de um jeito, hum, diferente.

- é um prazer te conhecer, Arthur. – seus olhos brilham se uma maneira estranha ao me olhar demoradamente.

- o prazer é meu, Diego.

Depois de estarmos todos reunidos, Ester nos convida pra sentar à mesa, enquanto a empregada (é, empregada) serve o jantar. Tem como eles serem mais ricos? Caramba.

- e então Arthur, o Gustavo me falou que você acabou de se formar. Quais são seus planos pra agora?

Eu espero gentilmente a mulher de avental servir o meu prato, pedindo desculpas mentalmente a ela por ter que fazer isso pra mim, já que eu tenho mãos e braços pra isso, então me concentro na resposta para Ester.

- hum, por hora eu estou satisfeito com o estágio lá na agência, sabe? Mas meu sonho é trabalhar no Banco Central. Acho que se algum dia eu tivesse a oportunidade, seria incrível. – acho que meus olhos se iluminam só de eu tocar nesse assunto.

- você sonha alto, filho. Isso é bom, muito bom. Pessoas que sonham alto batalham pelo que querem, e são essas que vencem na vida.

Eu sorrio e me ajeito na cadeira, feliz pela aprovação de Rodolfo. Eu não queria estar tão tenso, será que eu vou conseguir relaxar um pouco? Olho pra Gustavo e ele come e aparenta estar com a expressão leve, alternando os olhares entre eu e seu pai. Leona ouve animada a minha conversa com seu pai e eu sinto que eu já gostei muito dela, logo de cara. É uma mulher fina, mas sem aquela arrogância e frescura de gente rica. Na verdade ela é muito mais simples e humilde do que eu poderia imaginar de alguém tão rico. Meus olhos correm ligeiramente para Diego e vejo que ele me encara da mesma forma que ele fez quando eu cheguei, e isso me causa um certo desconforto. O que há de errado com ele? Seus olhos parecem exalar, não sei ao certo, mas parece... cobiça. Tremo só com o pensamento. Caramba, eu sou namorado do irmão dele, será que ele não tem noção ou sou eu quem está imaginando coisas demais?

Fora isso, o jantar em si é muito agradável. A família de Gustavo toda me acolhe bem e me faz questionar o por quê de tanto mistério quando eu perguntava pra ele sobre eles. Leona elogia minha roupa e logo depois me conta que é dona de uma marca de roupas e de toda a sua aventura de cursar moda em Paris. Mesmo falando sobre uma vida de luxo, ela não beira ao esnobismo um segundo sequer. Logo, seu elogio me deixa bastante feliz, pois vindo de alguém que entende do assunto, ainda mais com o fato de eu ter ficado um bom tempo escolhendo algo que fosse bom, é incrível. Quanto a Diego, ele me parece ser uma pessoa mais séria e fechada, mas ao mesmo tempo tem um ar sexy e despretensioso, misturando duas personalidades em uma só, o que seria estranho no começo, mas pelo fato de ele ser gentil e até puxar assunto comigo depois do jantar, faz a minha primeira impressão dele ser corrigida. É engraçado ver os três irmãos juntos na mesa e notar que eles são totalmente diferentes uns dos outros em personalidade, mas que se pode notar que eles são irmãos de longe. Aliás, eles são uma família linda, unida e nem o fato de serem tão elegantes e ricos e de terem uma empregada fixa em pleno século XXI tira o ar de proximidade de todos em situações como essa, em um jantar de família. Mas o fato de Diego olhar demais pra mim e pra Gustavo ainda me deixa curioso. Será admiração? Surpresa? A atitude de Gustavo de me trazer para a família foi algo natural pra todos? Bem, honestamente eu não sei, mas eu estou feliz com os resultados de hoje.

Na hora de ir embora, todos nos acompanham até a porta principal e ficam parados na varanda, após se despedirem da gente.

- foi um prazer te conhecer, Arthur. Na semana depois do ano novo a gente vai fazer uma pequena festa aqui em casa, aniversário do Diego. Seria um prazer pra gente se você viesse.

- ah sim, claro, eu vou vir com certeza. Obrigado pelo convite. – eu pareço um pouco estabanado ao falar rápido demais e acabo ficando receoso em aceitar sem nem consultar Gustavo antes. Porém, a julgar por sua cara de felicidade, eu fiz a coisa certa.

Caminhamos em direção ao carro através do ar gelado da noite, enquanto eu fico feliz em estar com a sensação de dever cumprido.

- e então, o que achou deles?

- a pergunta é o que eles acharam de mim, né?

- tenho certeza que eles adoraram você. Inclusive a minha mãe, que é difícil de agradar.

- sério? Ela me pareceu tão simpática essa noite.

- pois é, com você. Isso que me deixou impressionado.

- uau, isso é... incrível. Eu também gostei muito deles, me senti muito bem acolhido.

- bom, então agora nossas famílias conhecem seus respectivos novos genros, certo?

- é, acho que sim. – eu reprimo um riso ao ver a cara de realizado dele. – e acho que eu fui um bom menino essa noite, né?

- ah você foi, com certeza.

- então eu mereço ser recompensado. – minha voz soa divertida, enquanto ele me olha rápido e finge estar surpreso e ofendido.

- você é muito promíscuo, Arthur! E eu amo isso.

- você ama?

- tanto que eu vou te recompensar agora mesmo.

Ah, então hoje estamos lidando com atitudes rápidas e eficientes! Gosto assim, chefinho.

__

O clima agradável que faz agora à noite por si só já é um convite ótimo pra sair de casa. Agora eu estou sentado perto da janela do bar, esperando as meninas chegarem. Dou mais um gole no meu copo de chope e avisto Amanda entrando na porta do salão consideravelmente pequeno, enquanto Duda vem logo atrás.

- e aí meninas, pensei que não vinham mais! – falo sorrindo ao me levantar e abraçar as duas.

- que isso, uma mulher se atrasa, mas não falta a um compromisso. A beleza é a chave do sucesso, meu amor!

Enquanto nos sentamos e Amanda continua a conversa animada, percebo que Duda está com a cara um tanto fechada. Aliás, ela vem estando assim sempre, mas eu sempre acho que se deve ao fato do estresse do trabalho ou algo assim. Mas aqui, sentada em uma roda de amigos, não teria motivo pra estar assim, teria?

- esse chope tá com uma cara ótima, Thur.

- quer um pouco? – levanto o copo pra ela, mas ela recusa.

- vou pedir o meu. Cadê o garçom?

- ah ele tá pra lá e pra cá o tempo todo tadinho, desde que eu cheguei.

- eu ir no banheiro e na volta eu vou lá no bar pedir então. Você vai querer o que, Duda?

- um chope também.

- tá certo, já volto, gente!

Assim que ela sai em direção ao bar, olho pra Duda e vejo que teremos um longo e constrangedor silêncio até Amanda voltar. Parece que sem ela o trio não é um trio, o que é estranho. Eu me esforço pra conversar com Duda, mas ela não faz o mesmo. Me limito a sorrir e dar outro gole generoso em minha bebida, então olhar em volta pra simplesmente ter pra onde olhar. Se passa bons segundos assim até que a situação começa a ficar, de fato, constrangedora.

- ambiente bacana esse, né? – tento puxar assunto, enfim.

- ah sim, é sim! Eu até esqueci de te parabenizar pela formatura hoje, foi tudo tão corrido lá na agência que não deu tempo.

- relaxa, eu sei como é.

Claro que eu sei, a gente trabalha juntos, né? Mais uma vez meu lance de puxar assuntos não é muito bom.

- você é um garoto de ouro, arthur. Tão novo e já formado na faculdade, com uma cabeça boa...

- ah, que isso Duda, assim você me deixa sem jeito! Mas valeu, mesmo assim.

Será que estamos conseguindo por fim engatar um assunto? Progressos, muitos progressos.

- agora me conta, como o nosso formando mais gato e mais sortudo conseguiu fisgar o coração do nosso chefe?

Mas o que?

- como assim, Duda? Do que você tá falando? – eu mesmo consigo sentir o vermelho das minhas bochechas quentes me deixando em um misto de raiva e vergonha.

- ah Arthur qual é?! Todo mundo percebe, ele tá caldinho por você. Mas você precisa me contar como você conseguiu isso. E aí? – seus braços sobrepostos em cima da mesa, um deles servindo de apoio para sua mão que sustenta seu queixo nesse momento é apenas um de seus gestos corporais que combinam com o olhar curioso e maldoso dela, que tenta esconder o veneno em sua voz por trás daquela falsa expectativa.

Será que eu e Gustavo estamos deixando tudo tão óbvio assim? Será que Amanda contou algo pra ela, mesmo que sem querer, e agora Duda está usando isso contra mim? Ou será que ela está apenas blefando? Sinceramente eu não sei, só vejo as teorias rondando minha cabeça e me deixando zonzo enquanto eu penso no que responder pra ela, mas tudo o que eu consigo pensar agora é que eu e Gustavo estamos com um grande problema nas mãos.

Comentários

Há 1 comentários.

Por Elizalva.c.s em 2017-04-03 23:37:32
Cara essa Duda é mesmo uma mal amada,que mulher mais chata.😘😘😘😘