06. Um romance açucarado?

Conto de Luã como (Seguir)

Parte da série Proibido

Os raios de sol invadem a janela de forma majestosa, fazendo eu abrir os olhos lentamente e ter que fecha-los de volta, ao sentir o excesso de claridade em minhas retinas. O braço esquerdo de Gustavo me envolvendo faz eu ter um pequeno lapso, olhando em volta e tentando reconhecer onde eu estou, mas sem demora as imagens da noite anterior começam a se formar em minha mente.

"E que noite", penso comigo mesmo.

Após sorrir e me livrar de seu abraço apertado, me levanto tentando fazer o mínimo de barulho possível e paro de pé ao lado da cama para admira-lo por uns instantes. Gustavo é ainda mais lindo dormindo, se é que isso é possível. O edredom em tons bege e marrom agora o contém apenas em partes nas pernas, deixando sua bunda e toda a parte da cintura pra cima exposta, revelando seu corpo atraente e seu rosto tranquilo. Decido deixá-lo dormir e vou até o banheiro lavar o rosto e fazer a higienização matinal. Após me localizar no quarto e enxergar uma porta próxima da escrivaninha, sigo até ela e descubro um closet de encher os olhos, com muitas portas de vidro, prateleiras e cabides abrigando roupas aparentemente caras e variadas.  O cômodo dentro do quarto me faz pensar que talvez seja até maior que meu próprio quarto lá no apartamento, o que me faz rir. Andando até a outra porta encontro o banheiro, onde logo de cara eu enxergo uma pia em mármore preto que ocupa quase toda a extensão de uma das paredes, acompanhado de um espelho simples e quadrado do mesmo tamanho. Me olho através dele e vejo um homem de cara amassada, cabelo bagunçado e com alguns arranhões no peito, resultados da brincadeira de ontem à noite.

"Talvez o Gustavo precise de controlar um pouco" – penso comigo mesmo, porém, em uma resposta ao meu juízo, meu subconsciente me lembra de que eu gostei disso, dessa pegada firme e bruta dele, e que as marcas são apenas um resultado disso. Depois de esvaziar a bexiga e contemplar a banheira imponente no outro canto do cômodo, coloco um pouco de pasta de dente no dedo indicador e passo nos dentes, para ao menos dar uma refrescada no hálito. Feito isso, volto ao quarto e vejo que Gustavo nem ao menos se mexeu, estando na mesma posição de quando eu o vi pela última vez, então penso que seria uma ótima ideia descer e preparar nosso café da manhã.

Ao descer as escadas e me encontrar na sala de estar, noto o inegável bom gosto de Gustavo com decoração de interiores. A mobília, que mistura de forma inteligente e ponderado o rústico e o moderno, chama a atenção em especial pela mesa de centro em madeira bruta, cortada em formato quadrado e com várias linhas irregulares naturais da própria árvore, com um tampo de vidro do mesmo tamanho em cima, ocupando o espaço consideravelmente grande no meio do estofado branco de três lugares com linhas quadradas e modernas, fazendo companhia a duas poltronas pretas com detalhes brancos e linhas ousadas. Pra finalizar, um grande quadro de mosaico bastante  impressivo colocados de forma harmônica no ambiente, feito em cores terrosas que forma a silhueta de um leão, posto na parede acima do bar de bebidas, perto da grande janela. Já na outra parede, atrás das poltronas, um conjunto de pequenos quadrados e retângulos de madeira que servem de estantes para alguns objetos aleatórios de decoração abstrata e um pequeno vaso redondo de argila com um simpático cacto, que ironicamente pode descrever a personalidade árida de Gustavo, pelo pouco tempo que eu o conheço, somando aos estragos parecidos em meu corpo devido à noite passada, semelhantes aos que um cacto poderia causar. Após gastar um bom tempo contemplando a bela decoração do lugar, volto ao meu plano original de fazer o café e sigo para a cozinha, sentindo um pouco de receio ao mexer descaradamente nas coisas de Gustavo sem permissão, mas pensando que depois ele iria gostar de ter tudo pronto. Vou até a geladeira e pego dois ovos, manteiga, queijo e orégano para fazer uma omelete. Depois de colocar tudo no balcão central da cozinha, que serve como mesa através do tampo de mármore e vidro, retiro o suco de laranja e procuro pelos pães para colocar na torradeira. Enquanto eles douram com manteiga, eu cuido da omelete enquanto cantarolo e penso sobre a minha formatura. Estou tão nervoso por ser o orador que as chances de eu esquecer meu discurso são altíssimas, e mesmo que eu possa levá-lo em colinhas para me auxiliar, não acho tão impressionante quanto falar sem nenhum tipo de texto nas mãos. Me pego pensando e questionando se seria precipitado demais convidar Gustavo. Será que ele iria? Como ele reagiria com meus pais perto? Eu quero mesmo levar tudo tão rápido e já ter que forçar um encontro entre os dois? Tudo isso eu terei que conversar durante horas a fio com Samuel, meu melhor conselheiro da face da Terra. Pensar nele, estou com saudades. Quantos amores da vida inteira ele já deve ter arrumado desde ontem? Acho que seria bom eu mandar uma mensagem pra ele avisando que eu estou bem antes que ele mande o FBI ir atrás de mim, exagerado do jeito que ele é.

- caiu da cama?

Puta que pariu, que susto! Me viro e vejo Gustavo parado em minha frente apenas de cueca, aparentemente de banho tomado e sorrindo ao olhar para mim e para a frigideira, agora com a omelete quase pronta.

- é, eu quis preparar o café pra gente. Espero que não se importe.

- bom, se você for um bom cozinheiro e tiver feito uma omelete melhor do que a minha, então tá tudo bem.

- acho que vou ter que te preparar para uma decepção, eu não sou nada bom na cozinha. – falo em autodefesa, enquanto ele sorri e se aproxima para um beijo.

- você tá lindo com essa cueca apertada.

Meu estômago se revira com o elogio enquanto ele tira o resto da minha atenção com a omelete e me pressiona contra o balcão da pia. É engraçado ele dizer que eu estou sexy porque eu automaticamente penso que ele também está, muito mais do que eu, diga-se de passagem, e acho que nós dois aqui, de cueca, preparando o café da manhã... Isso soa tão sexy. Aliás, quando se tratam de Gustavo, tudo soa sexy.

- e então, quais são os planos pra hoje? – ele pergunta de forma despretenciosa  enquanto eu tiro o mexido da frigideira e coloco separado nos dois pratos.

- hum, não sei. Ir pra casa?

Sua expressão se murcha e eu meio que me arrependo de ter dito isso.

- pensei que iríamos passar o dia juntos.

- bom, então acho que tenho outros planos.

Seu sorriso ilumina seu rosto e seu astral parece ter sido levantado novamente, enquanto trago as torradas pra mesa, me sento de frente pra ele e sirvo dois copos de suco.

- quero te levar pra sair hoje. O dia tá lindo e tem um lugar que eu gostaria que você conhecesse.

- surpresa?

- surpresa.

- e se eu não gostar? – arqueio a sobrancelha, fingindo superioridade.

- eu sei que você vai gostar. Sabe por que?

- hum.

- porque eu sempre surpreendo.

- ah, isso eu tenho que admitir. Desde a entrada triunfal no banheiro da festa até agora, eu só tenho me surpreendo com você.

- espero que isso seja bom. – sua voz de repente fica apreensiva.

- é muito mais do que bom. – eu sorrio em resposta, deixando-o leve.

Passo um pouco de geleia em minha torrada e dou uma mordida generosa, enquanto Gustavo ainda me fita com aqueles olhos castanhos cintilantes e com a expressão ilegível.

- tá sujo aqui. – ele sorri e estica a mão, levando-a até o canto da minha boca. Seu toque faz meus olhos fecharem e eu me arrepiar por alguns instantes.

- que boca maravilhosa você tem, Arthur.

- eu tenho? – admito que provoca-lo se tornou minha atividade favorita nos últimos dias.

Ele sorri e então se levanta, dá a volta na mesa e me beija. Por mais que tenham sido poucas horas sem sentir seu toque, apenas o tempo de dormirmos, eu já estava com saudade. Suas mãos marotas em minha nuca, em minhas costas, me fazem ficar sem reação. Ele me tira da cadeira e me levanta até me sentar na mesa, fazendo eu reprimir um grito de susto, então eu enlaço minhas pernas em sua volta e o puxo pra mim, beijando-o lenta é carinhosamente, sentindo seu gosto de suco de laranja misturado com menta. Minha excitação começa a se tornar grande o suficiente para afetar o que tem dentro da minha cueca, acordando meu amigão e deixando um volume considerável roçando a barriga de Gustavo, que percebe e sorri, aumentando ainda mais a intensidade dos beijos.

- oh céus, desculpe, eu não sabia que...

O barulho de sacola junto com a voz feminina nos faz pular de susto e nos separarmos, enquanto eu olho para o lado e vejo uma senhora baixinha, loira e gordinha nos olhar assustada.

- Celeste, eu esqueci que você vinha hoje! – Gustavo grita encabulado, se ajeitando e me dando espaço para descer da mesa e me por de pé ao seu lado.

- sim, me desculpe chegar tão cedo, eu...

- não, não precisa se desculpar. Celeste, esse é o Arthur. Arthur, essa é celeste, minha salvadora. – ele diz, recuperando o bom humor.

- prazer, Arthur. – ela estende a mão para me cumprimentar e eu faço o mesmo.

- prazer.

- bem, agora eu e ele vamos lá pra cima, caso você precisar de algo chama!

- tudo bem.

Mal consigo olhar pra cara dela ao sair dali, pensando em como ela vai custar pra conseguir tirar da cabeça nossas preliminares na cozinha em pleno domingo de manhã. Espero que seja fácil pra ela mudar primeiras impressões, caso contrário ela vai pensar que eu sou algum tipo de assanhado pervertido ou sei lá.

Depois de subirmos as escadas aos risos, Gustavo me conta que celeste trabalha para ele há mais de cinco anos e que é como se fosse uma mãe pra ele. Eu coro ao pensar que se ela realmente for como uma mãe pra ele, não foi o tipo de apresentação ideal como pretendente de seu filho postiço.

- fazer a mulher trabalhar aos domingos? Isso é trabalho escravo, eu no seu lugar teria vergonha.

- é ela quem prefere vir aos domingos. Além de ser um dia mais tranquilo, ela gosta porque eu estou em casa e podemos conversar mais. – ele fala sorrindo enquanto entramos no quarto e ele segue em direção ao closet. – vem, vamos ver uma roupa menos social pra você. Pra onde a gente vai não é muito apropriado você ir de camisa social e calça.

Oh, mais mistérios. Lugar onde não se usa roupa não tão social. Acho que eu acabo de sentir minha curiosidade sendo atiçada mais um pouco. Após ele procurar rapidamente, ele me alcança uma camiseta básica preta e uma bermuda branca, um pouco pequenas em comparação com suas outras roupas, então eu vou até o banheiro e tomo uma ducha rápida enquanto ele se arruma. Feito isso, saímos do quarto com ele levando uma mochila pequena sabe-se lá com o que, e também eu não acho necessário perguntar, já que provavelmente faz parte da surpresa, então vamos até Celeste avisar que almoçaremos fora. Rumo à garagem, Gustavo faz seu caminho até o Maverick e destrava o seu alarme. Uou! O Maverick! Isso que eu chamo de passeio de domingo.

O ronco feroz do motor ruge pra vida enquanto saímos da garagem em direção à rua, enquanto eu não consigo esconder minha animação ao andar nesse carro. Apesar de haver muitas alterações no interior, como bancos de couro mais modernos, rádio de última geração e ar condicionado, o automóvel não perde seu charme, andando a uma velocidade média pelas ruas com os vidros abaixados, fazendo o cabelo de Gustavo bagunçar-se pelo vento enquanto ele olha atento com seus óculos de sol pra frente, definitivamente o charme em pessoa.

Com o sol alto no céu e o rádio ligado em uma estação de músicas pop, fazemos nosso caminho pela Marginal Tietê pra fora do perímetro urbano da cidade e entrando na Rodovia Nova Dutra. A paisagem simples e sem aquela multidão de prédios cinzas fazem o horizonte respirar aliviado, trazendo apenas os carros passando em alta velocidade na outra pista e as margens da rodovia que adentram em campos extremamente verdes e paisagens naturais fora do comum.

Enquanto toca Fire Meet Gasoline, ecoando a voz única da Sia pelos ventos e criando uma atmosfera segura e acolhedora entre eu e Gustavo, não consigo evitar de pensar sobre como tudo isso é insano. Eu estou ficando com meu chefe. Talvez eu não tenha parado pra pensar direito sobre isso, até mesmo porque foi pouco o tempo que eu tive pra assimilar desde que ele nos trancou naquele banheiro e fez eu soltar meus instintos presos em relação a ele até o momento de agora, então eu penso que talvez eu tenha medo de me deixar levar nisso tudo e as coisas não acabarem bem. Será que ele também tem essa mesma preocupação, porém não deixa transparecer? Isso tudo é perigoso demais pra nós, pros dois. Ao mesmo tempo em que parece tão certo, quando eu me sinto tão vivo e tão bem estando com ele, eu sei que na verdade isso é errado e que as consequências podem ser duras. Eu posso perder meu emprego, ele também, posso sujar meu nome no mercado e não ter credibilidade nenhuma antes mesmo de sair da faculdade, mas toda vez que eu olho para ele, desde que eu o vi, eu sinto uma eletricidade, um magnetismo que me puxa pra perto dele e que eu não consigo evitar, mesmo que eu quisesse.

- ei, tá tudo bem?

Ele me tira dos meus devaneios e me faz parecer atordoado, olhando pra ele rapidamente e pensando no que dizer.

- tá sim, só a cabeça tá longe.

- preocupado?

- sim. Você também?

- um pouco. Mas não o suficiente pra me deixar com medo.

Ele pega na minha mão e eu sinto minha armadura cair por terra, deixando que pela primeira vez na vida as coisas se resolvam e se desenrolem com o passar do tempo e me dedicando ao aqui e agora.

Cerca se quatro horas depois, a placa avisando que estamos entrando na cidade de Visconde de Mauá nos avisa que chegamos em nosso destino final. O sorriso de euforia de Gustavo me contagia e eu percebo que esse passeio não é apenas uma simples saída de domingo. Seguimos até chegarmos em um simpático e bonito casarão vermelho, que eu logo venho a descobrir que é um restaurante, o Rosmarinus Officinalis, que segundo o Gustavo, é o melhor da cidade. Como meu estômago já estava roncando, penso que almoçar agora me parece uma ótima ideia, antes de fazer qualquer outra coisa. Nos sentamos em uma mesa na varanda do espaço, com vista para o Rio Preto, o que por si só já é de tirar o chapéu, enquanto saboreamos uma deliciosa comida feita no fogão a lenha.

- Gustavo, eu tava pensando... – tento introduzir o assunto de uma maneira que eu não pareça apressado, enquanto ele me dá sua atenção ao parar de comer e me olhar atento. – minha formatura é na próxima semana e eu gostaria de saber se você queria ir.

Minhas palavras saem em uma pressa gradual, deixando a situação um tanto engraçada enquanto vejo uma linha fina se formar em sua boca, um riso reprimido.

- isso é um convite?

- bom... acho que sim.

- então eu aceito.

A forma simples e despreocupada com que ele encara as coisas é algo que eu preciso me acostumar. Ou será que sou eu quem levo as coisas muito na ponta da faca? Talvez eu precise relaxar um pouco. Contudo, eu me sinto feliz e aliviado por ele aceirar ir, o que com certeza torna aquele dia tão importante pra mim um pouco mais especial.

- mas agora eu quero saber um pouco de você. – ele me lança um olhar intimidante, enquanto entrelaça os dedos em cima da mesa.

- mais?

- claro. Eu sei pouco sobre você, a não ser que você veio de outra cidade, tá se formando na faculdade e que é muito, muito bom de cama.

Sua frase termina de um jeito tão provocativo que eu olho para os lados sorrindo e me certifico de que ninguém tenha ouvido.

- então?

- não é fácil assim falar sobre si próprio. Eu não sei como me descrever. – minhas palavras soam sinceras e confessionais.

- Ok, eu te ajudo então. Qual sua cor favorita?

- verde.

- comida?

- bife de fígado

- sério? – ele me olha incrédulo, reprimindo o riso. Ainda preciso entender o porquê de toda essa reação contra o coitado do bife de fígado, ele é tão bom!

- sério, ué.

- tudo bem. – ele vira a cabeça pra cima e pro lado, buscando outras perguntas na mente. – música favorita?

- Learn to Love Again, Lawson.

- quem?

- Lawson, é uma banda que ninguém conhece, mas que eu descobri por acaso e se tornou a minha favorita desde então.

Ele me olha como se eu fosse algum tipo de ser anormal, gostando de bofe de fígado e de uma banda que ninguém sabe da existência. Acho que se eu responder mais alguma coisa estranha ele desiste de mim e me leva pra casa na mesma hora.

- livro favorito?

- a quinta onda.

- você gosta de ler bastante?

- o suficiente. Não sou um leitor compulsivo ou algum tipo de louco dos livros, mas já devorei muitos títulos. Mas agora eu quero saber de você. Acho que eu sei muito menos de você do que você de mim, ainda mais agora. – minha expressão animada faz ele esboçar um sorriso no rosto e se ajeitar na cadeira, enquanto espera pelas minhas perguntas.

- cor preferida?

- cinza.

- comida?

- japonesa.

- música favorita?

- Turning Tables.

- Adele? Impressionante.

- é, sou um tanto melancólico. – ele fala, suas palavras soando pesadas, mesmo com a expressão suave, como se ele fizesse uma observação pessoal que ninguém mais soubesse.

- livro favorito?

- Kama Sutra. – ele levanta uma das sobrancelhas, me deixando sem reação. Assim de repente, Dr.  Insaciável e Imprevisível?

- é sem duvida um ótimo livro. – falo antes de tomar um gole do meu suco e refrescar a garganta, que ficou seca de vontade de fazer coisas proibidas depois de Gustavo me atiçar. – e sobre sua família?

- o que tem?

- me fala um pouco dela.

O Gustavo descontraído e jovial de antes agora simplesmente se dissolveu em um fechado e tenso, fazendo eu me questionar se minha pergunta foi longe demais, mesmo sem saber honestamente a razão de ser.

- não precisa falar sobre isso, se não quiser.

Como resposta, ele apenas sorri sem graça e estica sua mão sobre a mesa para alcançar a minha e fazer carinho. Eu entendo isso como que o assunto estivesse sendo encerrado e eu respeito, embora ache estranho a reação inesperada dele com a minha pergunta. O que tem de errado entre ele e a família dele?

Depois de terminarmos de comer e o clima voltar ao normal naturalmente, começamos enfim nosso passeio pela cidade.

Após pegarmos uma trilha cheia de paisagens naturais surreais e logo fazer eu perceber que caminhada e escalada não é muito a minha praia, começamos a achar algumas quedas d'agua e piscinas naturais. Em uma delas, a maior de todas e por sorte a mais sossegada e livre de turistas, eu e Gustavo resolvemos parar pra tomar um banho. O sol entrando entre as árvores e acima da clareira esquenta minha pele enquanto eu me livro das minhas roupas e do meu mocassim, deixando tudo ao pé de uma árvore perto da água. Ao ver Gustavo tirando a roupa, me esbaldo com a vista de sua pele branca sendo iluminada pelos raios intensos enquanto ele corajosamente entra na água gelada e cristalina em minha frente. Eu coloco apenas meus pés e já sinto uma mudança drástica de temperatura, fazendo eu repensar sobre entrar para um banho. Porém, como era de se esperar, Gustavo começa a vir sorrateiramente em minha direção com os braços abertos e já sinalizando de que iria me fazer entrar à força, enquanto minhas ameaças fracas de bater nele acabam por não serem levadas a sério, até que eu sinto os respingos da água por causa de seus movimentos bruscos até mim e entao seus braços fortes me empurram com tudo pra dentro d'agua, fazendo meu corpo todo doer com a temperatura incrivelmente gélida e até agonizante através do choque térmico que eu acabo de tomar, fazendo eu soltar um urro ao voltar para a superfície e causando boas risadas em Gustavo.

- você acha engraçado? Ah então você acha engraçado? Vem cá então, engraçadão. – eu faço meu caminho até ele sedento por vingança, enquanto ele sorri mais e não faz questão de se mover nem um passo pra trás, me esperando para a nossa guerrinha infantil de caldinhos. Após tentar sem sucesso fazer ele cair na água, ele me rouba um beijo e eu sinto meu corpo todo se esquentar com isso, me sentindo feliz por isso, tanto pelo beijo quanto pelo calor percorrendo dentro de mim e afastando o frio. Envolvo meus braços em volta dele e sinto nossas peles se encontrarem, enquanto o sol começa a agir nas minhas costas e a me causar uma pequena ardência.

Passo a mergulhar na água transparente e esqueço de tudo à volta. Com os olhos abertos, vejo Gustavo fazendo o mesmo e me olhando, enquanto brinca ao soltar bolinhas de ar e parecer como um peixe esbelto e brincalhão. Estando aqui, vivendo isso com ele, tudo isso parece um romance açucarado tirado de uma cena de filmes de romance. O engraçado é que até os clichês mais idiotas e saturados começam a agir em mim também, o que me assusta, já que eu não havia vivido isso com ninguém antes, mesmo com essa idade. Eu já tive namoros de escola, peguetes de faculdade e caras que eu só vi uma noite pra nunca mais, mas ter alguém pra ter uma foda insana igual à de ontem e no outro dia acordar pra tomar um café da manhã e sair para dar um passeio de carro e nadar numa cachoeira, nunca. Volto para a superfície e passo minha mão nos olhos para tirar o excesso de água e então coloco meus olhos em Gustavo novamente, que está voltando para a superfície agora também e sacudindo a cabeça, espalhando gotas d'água  em volta, soando mais como um garoto despreocupado do que com um gerente geral de uma agência enorme e cheio de preocupações e responsabilidades.

Agora acabamos de nos secar e estamos caminhando de volta para a cidade, um pequeno silêncio entre nós que não chega a ser desconfortável, apenas sendo quebrado pelo barulho das folhas e galhos sendo pisados no chão.

- por que essa cidade?

Minha pergunta súbita pega ele de surpresa, que me olha por uns instantes e depois volta a prestar atenção no caminho em frente, com as mãos nos bolsos.

- eu passava as férias aqui com a minha família. Tenho boas recordações daqui.

Ah então ele está falando sobre a família! Acho que temos um progresso acontecendo aqui.

- eu e meu irmão costumávamos tomar banho nessas cachoeiras sempre, subir nessas árvores e sempre acabávamos nos machucando. Um dia ele quebrou o braço e eu ao invés de ajudar ele, comecei a rir, o que deixou ele tão bravo que colocou a culpa em mim de ele ter caído. Fiquei de castigo o resto das férias.

O modo como ele se lembra disso faz ele ficar, não sei, diferente. Não chega a ser uma nostalgia, pois parece que vem alguma lembrança a mais junto com essas que lancha sua leveza com um borrão, transparecendo um certo tipo de melancolia em sua voz.

- você não precisa falar nada que você não se sinta à vontade, tudo bem?

- é, eu sei, mas foram épocas felizes.

Ele vê em meu rosto a minha curiosidade e minha falta de entendimento sobre todo esse mistério, então acho que ele resolve esclarecer um pouco.

- há uma parte do meu passado que eu decidi deixar pra trás, me desfazer de lembranças. Eu não costumo falar muito sobre essas coisas.

Eu paro de caminhar e ele repete minha ação, então eu me aproximo dele o suficiente para poder pegar em sua mão e olhar em seus olhos iluminados pelo feixe de luz que percorre seu corpo.

- você pode continuar não falando sobre isso, se quiser. Se quiser falar também, eu posso ser um ótimo ouvinte. Mas isso é você quem escolhe.

Ele sorri e então encosta seus lábios nos meus de forma gentil, encostado seus dedos em meu queixo e com a outra mão em minha cintura.

- talvez um outro dia.

À tarde logo chega ao fim e com a noite pintando o céu com tons de lilás, azul e laranja, como se fosse uma tela pronta para ser um quadro perfeito de beleza natural, seguimos com o Maverick até um ponto da cidade onde é possível ver tudo. As luzes acesas formando um pequeno aglomerado luminoso, a lua cheia no céu, as estrelas, o barulho dos grilos não muito longe, apenas eu e ele nesse carro e com essa vista incrível do horizonte enquanto estamos abraçados sentados em cima do capô.

- é uma vista linda. – minha voz maravilhada combina com o brilho dos meus olhos, que agora se prendem ao olhar de Gustavo para mim.

- com certeza, é uma vista linda. – ele faz questão de enfatizar que ele se refere a mim.

- não sabia que você poderia ser tão romântico.

- pois é, eu tenho meus momentos.

Com essa frase, dessa vez eu o puxo para um beijo, dessa vez com mais necessidade e intensidade.

- sabe o que eu tava pensando?

- hum.

- desde ontem eu ando tendo ideias tentadoras com esse Maverick.

- ah é? Que ideias?

- a gente fazendo sexo no banco de trás, por exemplo.

Minha frase descarada pega ele de surpresa, fazendo ele sorrir e mostrar seus dentes perfeitamente brancos e alinhados em contraste com a luz da lua.

- você é bem audacioso, né Arthur.

- só tenho algumas fantasias meio diferentes.

- você sempre foi assim? Pois se foi é algo que eu me admiro, pois essa sua carinha de inocente não deixa ninguém pensar coisas assim sobre você.

- na verdade acho que eu me tornei um pouco mais depois que eu te conheci.

- hum, bom saber disso.

Ele então desce do capô e me estende a mão.

- o que foi?

- vem, vamos realizar essa tua fantasia.

__

Quando chegamos na frente do meu prédio, quase as 22h da noite, eu quase faço beicinho ao ter que me despedir dele e dormir sozinho.

- você sabe que pode dormir lá em casa comigo. Não significa que você tá se mudando pra lá ou algo assim.

- é eu sei, mas eu acho melhor assim. Não quero ninguém vendo a gente chegar juntos amanhã no banco. Isso já seria motivo o suficiente pra bastante dor de cabeça.

- bom, você quem sabe. Acho que vou ter que dormir sozinho entao.

Agora é a vez dele de bancar o carente, fazendo realmente o beicinho que eu gostaria de ter feito antes, então eu balanço a cabeça e sorrio antes de beija-lo por um tempo considerável. Quando já sinto minha calça começar a ficar apertada, me desvencilho dele e abro a porta do carro, pois fazer sexo duas vezes no carro e sujar novamente o estofamento é falta de respeito com o coitado.

- te vejo amanhã então.

- obrigado pelo passeio, Gus.

Sorrio e fecho a porta do carro, esperando ele arrancar em direção à esquina para que então eu fique parado no meio da calçada tentando processar na minha mente todas as informações que ainda me deixam confuso e feliz ao mesmo tempo. Mexo nervosamente no cabelo como forma de desistência e entro, fazendo meu caminho calmamente até dentro do prédio e então para as escadas.

Quando eu abro a porta da sala, escuto um barulho de pratos seguido de um cheiro divino de comida boa vindo da cozinha. Meu estômago me guia até lá e encontro Samuel de costas para mim no fogão, parecendo animado cozinhando distraído.

- e aí master chef.

Ele se vira e me encara assustado, como se eu fosse um estranho que tivesse arrombando a porta da sala e entrado sem permissão.

- achou o caminho de casa?

- é, acho que sim. – digo com um sorriso ao passar por ele e indo até a geladeira tomar um pouco de agua.

- preciso que você me conte tudo, tipo agora. Se você nao contar eu te deixo sem comida.

- que vadia! – eu finjo estar ofendido, enquanto ele sorri ao mexer mais um pouco o conteúdo da panela e então desligar o fogão.

- passamos o dia em uma outra cidade, passeando e conversando sobre um pouco de tudo.

- tá rolando mesmo então?

- acho que sim.

- meu amigo, eu sabia que você era atrevido, mas não sabia que chegava a tanto! Seu chefe? Meus parabéns.

- é, acredite se quiser, não é algo que eu me orgulhe. Tenho muito o que me preocupar com isso, sabe?

- mas você tá se sentindo feliz?

- muito. – não consigo esconder meu sorriso ao dizer isso.

- então é isso o que importa.

- eu convidei ele pra minha formatura.

- e ele?

- aceitou, claro.

- que bom, arthur! O negócio tá sério mesmo então.

- esse é o problema, será que não tá tudo indo rápido demais? Digo, quando ele chegar lá e meus pais verem ele, o que eu digo? "Mãe, pai, esse é o Gustavo, meu amigo"?

- não né Arthur. Apresenta ele como teu namorado, oras.

- mas namorado?

Samuel se senta na cadeira em minha frente, do outro lado da mesa, então faz aquela cara de sermão que so ele sabe fazer.

- eu te conheço há quatro anos. Sei melhor do que ninguém que você não é do tipo que fica. Você passa o rodo na balada, faz coisas inimagináveis numa noite, ok. – admito que eu começo a rir nessa hora. Ele é um cretino de tão sincero. – mas você não fica com alguém por ficar, como a maioria faz por aí. Se você sai com alguém como você tá saindo com ele, é porque sim você quer algo a mais. Mas se você acha que chamar de namorado é algo muito precipitado, o que você acha de:

"Mãe, pai, esse é o Gustavo." ?

Simples, explica bem e não deixa brechas pra possíveis perguntas. Enquanto isso você vai descobrindo o que isso pode dar. Mas até lá, não fica encucado não. Curte as coisas no seu tempo.

Fico parado olhando pro nada enquanto absorvo o melhor sermão que Samuel me deu até hoje, simplesmente pelo fato de que ele tem razão. Vou deixar as coisas rolarem, de forma natural, sem rótulos ou cobranças. O que importa pra mim é que hoje eu tive um dos melhores dias da minha vida, e que eu preciso encarar Gustavo não só como o gerente geral da agência, e sim como o cara que eu estou começado a gostar de verdade.

Comentários

Há 1 comentários.

Por Elizalva.c.s em 2017-04-03 17:55:25
Estou apaixonada por Gustavo,lindo,maravilho,romântico e com pegada.😍😍😍😍😘😘😘😘😘