Se For Com Você - Parte 1

Conto de calango como (Seguir)

Parte da série Se For Com Você

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Quando decidi pedir a Alexia em namoro, mesmo a conhecendo por tão pouco tempo, sabia que fazia isso apenas porque era o único do grupo a ter chegado aos últimos dias do ensino médio sem ter namorado sério. Ela tinha beleza acima da média, era popular na nossa escola (apesar de ser recém-transferida de outra) e possuía um jeitinho que misturava meiguice com malícia como nenhuma outra garota que conhecia sabia fazer. Se eu já sentia atração por homens nessa época? Lógico, acho que desde sempre. Mas tendo uma família evangélica, andando com amigos pegadores e sendo capitão do time de futebol do colégio, ficava difícil assumir publicamente qualquer interesse sexual por outro cara. Na verdade, já era difícil assumir para mim mesmo, que dirá para os outros!

Então, entre ter que ir pra cama com várias meninas para provar minha masculinidade e namorar apenas uma, que ainda dizia querer se casar virgem (sim, ela também era de um lar evangélico), escolhi essa segunda opção. Era mais fácil de administrar e eu poderia manter minha máscara de "hetero" colada no rosto. Pelo menos, era o que eu pensava. Mas isso só durou até a Alexia me apresentar o Leandro, um amigo que ela havia feito no colégio anterior.

"A única amizade que valia a pena preservar daquele lugar horrível", ela dizia; o que, não vou negar, causava-me certos ciúmes. Antes de conhecê-lo, era sempre Leandro isso, Leandro aquilo... Até que esse nome virou brincadeira entre nós. Quando começávamos a brigar, eu soltava "então volta pra sua vida antiga e busca o Leandrinho lá na escola da qual você fugiu...". E ríamos. E então, finalmente o vi e entendi o motivo de tamanho carinho. E não só carinho...

Numa sexta-feira de fevereiro, três meses após o início do nosso namoro, combinei com a Alexia de sairmos com um casal de amigos que tinham carro (eles já estavam com quase vinte anos, universitários, enquanto eu e Alexia tínhamos acabado de completar 18 anos e nem a carteira de motorista havíamos tirado). Foi quando ela teve a ideia de chamar o Leandro, que havia acabado de voltar de uma viagem à Europa. Ela queria que eu finalmente o conhecesse e eu, secretamente, já tinha colocado na cabeça que ele era um nerd mala.

– Dois casais e seu amigo de vela? Não sei se vai ser mais chato pra ele ou pra nós. – disse.

– Ele nem liga. E nem precisa ter pena, porque ele acha isso uma prisão. – ela respondeu rindo, apontando para o anel de compromisso na minha mão.

– Ok, convencido. Sem pena. – ri sem jeito.

Descemos do meu apartamento, onde estávamos assistindo TV com minha mãe ("Juízo, meus filhos, Deus os acompanhe e nada de álcool!"), e fomos esperar o carro do Fernando na rua em frente. Às 19:15 eles chegaram. Vanessa abriu a porta do passageiro e inclinou seu assento para frente, de modo que pudéssemos entrar atrás, enquanto falava animada:

– Noite dos casais! É daqui direto pro motel fazer swing, sim ou com certeza?! – e vendo nossas caras de dúvida, completou. – TÔ ZOANDO!

Gargalhamos e, ao recuperar o fôlego, Alexia disse:

– Que noite dos casais, que nada! Vamos nós três. O Leandro já está nos esperando no boliche.

Chegando lá, ele estava na pista 7, sentado num banco e descalçando os tênis para colocar aqueles calçados especiais de boliche. Ao ouvir nossos passos, cada um com seus devidos sapatos de jogo nas mãos, ele ergueu a cabeça e olhou para nós. E então eu vi. O Leandro tinha um rosto lindo, que ficava ainda mais luminoso quando ele sorria e mostrava as fileiras de dentes perfeitos. Devia ter 18 ou 19 anos, mas sua aparência era a de alguém com uns quatro anos a mais: barba por fazer, queixo quadrado bem másculo, cabelos castanhos cuidadosamente desarrumados. Tinha um corpo bonito, mas não tão forte quanto o meu, devido a anos de dedicação maior aos esportes do que aos estudos.

Após cumprimentar entusiasticamente a Alexia ("Gata como sempre!", disse ele, "Mentiroso como nunca... Haha", rebateu ela), eu esperava a minha vez com a mão esticada, ainda embasbacado com a beleza daquele cara que eu sacaneava há poucos minutos. Qual não foi minha surpresa quando ele ignorou o aperto de mãos e me deu um abraço bem apertado dizendo:

– Vem cá, cara! A Alê falou tanto de você que é como se já te conhecesse de outros carnavais!

Branquinho do jeito que sou, devo ter corado loucamente nesse momento. Ao mesmo tempo em que queria que ele me soltasse logo, para que ninguém reparasse na falta de jeito, desejava percorrer meus braços demoradamente por toda a extensão da parte traseira daquele corpo.

“Já vi que os dois se darão bem. Leandro, esse é o...”, começou falando Alexia ao nos ver abraçados, mas sendo interrompida pelo amigo: “... famoso Eduardo!”. Era óbvio que ela já havia mencionado meu nome para ele, mas escutá-lo falando foi estranhamento bom. Consegui dizer, tentando evitar ainda mais o rubor no rosto:

– Somente Edu, por favor. “Eduardo” é muito longo e me faz lembrar de quando minha mãe grita comigo, puta da vida.

Rimos. Logo após o Leandro cumprimentar Fernando (“Ele é o Edu, então irei te chamar de Nando!”) e Vanessa, todos nós calçamos os sapatos de boliche, pedimos fritas e anéis de cebola empanados para beliscar e os meninos tentaram convencer as garotas a jogar sem as canaletas levantadas.

– Ter essa colher de chá faz o jogo perder com-ple-ta-men-te a graça! – argumentou Fernando, fazendo questão de frisar o “completamente”.

– Mas, sem a gradinha, eu vou ficar mais preocupada em não deixar a bola cair no buraco do que em acertar os pinos! – exclamou Alexia. Foi quando Vanessa deu um sorrisinho maroto, colocou os braços sobre os ombros da colega e soltou:

– Bola... Buraco... Freud explica, amiga! Era melhor ter ido MESMO ao motel, ao invés de jogar boliche! Garanto que ninguém reclamaria das regras lá...

Gargalhadas. A Vanessa falava mais putaria do que todo o time de futebol do colégio reunido no vestiário. Piadinhas à parte, as meninas venceram, claro. As canaletas foram erguidas e a quantidade de strikes foi bem maior do que deveria.

Após uma jogada particularmente ruim em que derrubei só dois pinos, me recostei ao lado de Alexia em um dos bancos laterais, o que ficava à direita da pista. Em nossa frente, nos assentos esquerdos, estava Leandro abrindo uma long neck com a manga do casaco jeans. Alexia deitou a cabeça no meu ombro, pegou minha mão direita e começou a brincar de tirar e colocar o anel de compromisso do meu dedo. Leandro viu a cena enquanto tomava um gole de sua cerveja, sorriu e disse:

– Faz quanto tempo que vocês formam esse casal de capa de revista?

Alexia franziu as sobrancelhas para o ex-colega de sala e entortou a boca em um semi-sorriso, como se estivesse na dúvida quanto à ironia contida na pergunta. Ele reparou com divertimento e logo completou:

– Tô falando sério, Alê! Não é por não me prender a ninguém que vou deixar de apreciar os casais felizes.

– Hummm... Então quer dizer que você reconhece uma felicidade que só os casais experimentam... – disse ela, provocativa, jogando a perna por cima do meu joelho e acariciando meus cabelos de modo teatral.

Rimos e, após o que pareceu ser um lapso de constrangimento no rosto de Leandro, ele ergueu sua cerveja no alto e falou “um brinde aos casais felizes”. Como ocorreu um silêncio curto, mas algo desconfortável, preenchi o momento com a resposta à pergunta:

– Três meses, só – disse, tentando manter a voz descontraída. – Mas nos conhecemos há mais tempo. Desde que ela se mudou do seu colégio para o meu, no semestre passado. Terminamos o ensino médio em dezembro, mas ficamos de recuperação em português. A prova é no final desse mês. Acho que a necessidade de estudar pra passar nos uniu... Coisas do amor. – e dei um beijo nas costas da mão dela entrelaçada na minha, enquanto exibia o meu melhor sorriso.

– Tsc, tsc, Alexia... Eu sabia que isso aconteceria quando você perdesse as minhas colas... – brincou Leandro.

– Ha-ha-ha, engraçadinho. A única coisa que tenho que perder é a vergonha na cara pra estudar mais. Ainda bem que certo moço lindo está me ajudando, agora que larguei essa vida de colas – ela disse, enquanto dava uma beliscadinha carinhosa na minha perna.

Nesse momento, Fernando comemorava um strike agitando os braços no ar enquanto Vanessa molhava uma cebola no molho de ketchup. O televisor da pista indicava que Leandro era o próximo a jogar. Levantou-se, repousou a garrafa de cerveja na mesa dos petiscos, piscou o olho para nós e disse “o dever me chama!”, seguindo para a pista após escolher uma bola que encaixou bem em sua mão. Fiquei um tempo sozinho com a Alexia, alternando beijos com roçadas de lábios mais delicadas.

Após uns instantes, não mais me aguentando de curiosidade, abri a boca para perguntar a ela o que estava em minha cabeça desde que vi o sorriso do Leandro:

– Meu bem, e esse lance do Leandro curtir tanto ser solteiro?

– O que tem?

– Hum... Quer dizer... Foi um trauma, algo assim? Alguma ex-namorada o traiu ou coisa do tipo? – eu tentava deixar a voz a mais desinteressada e casual possível.

Ela comprimiu o rosto contra meu pescoço, abafando um risinho. Olhando para frente e verificando que Fernando e Vanessa estavam na mesma intimidade de casal no banco do lado oposto, alheios ao mundo, ergueu a boca na altura do meu ouvido e sussurrou:

– Ele é gay. Mas só eu sei, é segredo!

Mal pude digerir essa bomba, a palavra “gay” ecoando na cabeça, quando escutei um grito de “Yes!” vindo da pista. O Leandro havia feito um strike e agora se dirigia pro nosso banco. Era a minha vez de jogar, o nome piscando no televisor. Parando na minha frente e erguendo uma bola pra mim, ele disse, com aquele sorriso diabolicamente perfeito:

– Edu, é sua vez! Você usa a mesma bola que eu, né?

– Sim, eu... eu... uso.

Comentários

Há 1 comentários.

Por Anjo perdido em 2016-03-09 00:59:34
Atualizou aqui também garoto