Bruno - Capítulo 3

Conto de Bruh como (Seguir)

Parte da série Bruno

- Desculpa – empurrei de leve o meu melhor amigo e saí de cima da cama dele. – Não posso fazer isso!

Víctor suspirou. Eu fiquei na janela e respirei profundamente. Meu coração batia acelerado.

- Tudo bem – a voz dele entrou nos meus tímpanos. – Eu vou respeitar o seu limite.

- Obrigado, Víctor.

- Sabe, você não deveria ficar com tanto medo assim.

- Eu sei, mas é mais forte do que eu. Desculpa.

- Não precisa se desculpar, Caio!

- É melhor eu ir embora, Víctor.

- Tem certeza?

- Absoluta.

- Então eu vou te levar até o portão.

Nós saímos do quarto e ele me acompanhou até a calçada. Chegando lá, nós trocamos um olhar e nos despedimos com um aperto de mãos:

- A gente se vê amanhã – falei.

- Beleza. Se cuida e vê se pensa no que aconteceu.

- Vou pensar – abri um sorriso sincero.

- Até amanhã então.

- Até amanhã, Víctor.

Saí andando e aos poucos, consegui me acalmar por completo.

Eu tinha perdido a chance de dar meu primeiro beijo gay, é verdade, mas eu tinha certeza que se tivesse ficado com o Víctor, nossa amizade nunca mais seria a mesma.

E eu tinha certeza que com o passar dos dias, meu melhor amigo iria acabar concordando comigo. Eu só estava na torcida para que ele não ficasse chateado comigo.

Chegando em casa, pensei que teria um momento de paz para pensar em tudo o que tinha acontecido e pra colocar a cabeça no lugar, mas ao invés disso, fui recepcionado com um verdadeiro inquérito policial:

- Onde você estava, moleque? – meu pai perguntou, com cara de poucos amigos.

- Na casa do Víctor... – falei sem pensar.

- NA CASA DAQUELE DESGRAÇADO? O QUE VOCÊ ESTAVA FAZENDO LÁ, MOLEQUE?

- O Víctor não é desgraçado, pai...

- QUANTAS VEZES EU VOU TER QUE FALAR QUE NÃO QUERO VOCÊ ANDANDO COM ESSE TIPINHO, CAIO?

- Quer parar de gritar? Eu não sou surdo!

- O que está acontecendo aqui? – minha mãe apareceu na sala de sopetão.

- Seu filho, Fátima! Seu filho que continua andando com aquele... inseto nojento!

- Filho... – minha mãe me olhou com carinho. – Você precisa parar de andar com esse garoto. Ele não é companhia pra você.

- Até você, mãe? Até você? – me revoltei.

- Ele é má-influência, Caio...

- Má-influência? – eu ri. – Ele é má-influência? O Víctor é muito melhor que muita gente que conheço por aí!!! Francamente...

- Onde é que você vai, moleque? – meu pai esbravejou quando eu comecei a caminhar até a porta da sala.

- Andar de bicicleta. Posso? Ou vocês dois vão me amarrar na barra da cama?

Fiquei tão irritado com aquele preconceito de meus pais que bati a porta e o portão quando saí de casa. Como eles podiam ser tão retrógrados daquele jeito?

Nervoso, o que eu queria naquele momento era respirar ar puro e colocar as ideias no lugar. Por causa disso, pedalei pelas ruas de Higienópolis e só parei quando cheguei em um dos parques da cidade de São Paulo, este, bem longe do bairro em que eu vivia.

Por se tratar de um domingo e já ter anoitecendo, o parque não estava tão lotado como em outros dias da semana. Lá eu pude finalmente me acalmar de verdade e consegui colocar a cachola no lugar.

Pensei em tudo o que estava acontecendo. Como seria a reação do meu pai quando ele soubesse que eu era gay? Se ele já me tratava daquele jeito só por ter amizade com um homossexual, o que faria quando soubesse que eu também era um?

Com toda a certeza do mundo, a reação não seria nada boa... e era por causa disso que eu ficava com medo de abrir o jogo para eles! Eu sabia que seria maltratado por todos caso a verdade aparecesse.

Fiquei andando na ciclovia do parque até cansar e quando isso aconteceu, dei meia-volta, no intuito de regressar pra casa, porém vi que estava sendo seguido de longe pelo meu irmão gêmeo e isso me deixou enfurecido:

- EU NÃO ACREDITO!

Quando Cauã percebeu que eu tinha notado a sua presença, tentou sair correndo com sua bicicleta, mas por sorte, eu consegui alcançá-lo:

- O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI?

- Ué... O mesmo que você!

- Foi ele não foi? Foi ele que te mandou aqui! Ele te mandou me seguir...

- Tá louco, irmãozinho? Do que você está falando?

- Não se faça de desentendido! Eu sei que foi o nosso pai que mandou você me seguir...

- E como você sabe? Comprou uma bola de cristal por acaso?

- VOCÊ É RIDÍCULO, CAUÃ!

- Calma, irmãzinha! Está nervosa?

- NÃO – eu gritei e deixei a bicicleta cair no chão. – EU ESTOU NERVOSO, ENTENDEU? NERVOSO!

- Você pode até enganar nossos pais, irmãzinha! Mas a mim você não engana! Eu sei muito bem o que você é...

- O que você ACHA que sabe, Cauã?

- Que você é boiola! Uma bichinha igualzinho ao seu “melhor amigo” – ele debochou e deu risada da minha cara.

Não me contive e quando percebi, Cauã e eu já estávamos brigando feito duas crianças:

- CALA A SUA BOCA! – gritei e dei um soco no nariz dele

. – VOCÊ NÃO SABE O QUE ESTÁ FALANDO!

- SEU VIADINHO! SEU BOIOLA, BICHINHA, GAYZINHO...

Cauã também acertou um soco no meu rosto, mas eu não senti dor naquele momento. O meu ódio era tão grande que fez qualquer outra coisa parecer superficial naquele momento.

- O que está acontecendo aqui? – um guarda se aproximou de nós dois.

Cauã e eu paramos de brigar no ato, mas nos fuzilamos com os olhos. Ele me lançou um olhar mortal.

- Eu fiz uma pergunta! O que está acontecendo aqui?

- Não é nada, Seu guarda – falei. – Eu já estou indo embora!

- Pois então andem logo. Se eu ver os dois brigando de novo, vão direto pra delegacia.

Cauã e eu não nos mexemos. Ele ainda estava me matando com os olhos.

- Andem! Circulando! Os dois!

Peguei a minha bike e saí daquele parque. Era melhor não abusar porque eu não tinha levado documentos e não estava nem um pouco a fim de me meter em encrenca por causa do idiota do Cauã.

Não quis ir pra casa de imediato, senão as coisas poderiam piorar entre nós dois, então continuei pedalando pela cidade, completamente sem rumo.

Não dava pra acreditar que meu pai tinha mandado meu irmão me seguir. Onde estava a confiança que ele dizia ter em mim? Será que ele achava que eu era uma criança? Que não sabia fazer as coisas? Até quando aquela situação ficaria daquele jeito?

Eu estava me sentindo acuado. Se não podia ter liberdade, o que seria da minha vida? Será que eu ficaria refém do preconceito da minha família pra sempre?

Só voltei pra casa quando de fato me senti cansado. Não prestei atenção nas horas e por causa disso, acabei chegando um pouco tarde demais.

Para a minha tristeza, acabei trombando com meu pai na escada e é claro que eu fui tirar satisfações com ele. Eu não ia deixar aquilo barato!

- Satisfeito? Precisava mandar seu preferido me seguir?

- Precisava sim. Eu queria ver se você ia ou não pra casa do seu amiguinho – Edson não disfarçou a irritação que estava sentindo.

- Pensei que você confiasse em mim, pai!

- Disse certo, Caio. Confiava. Não confio mais. Só vou voltar a confiar quando você parar de frequentar a casa daquele desgraçado!

- Pois então você não vai confiar em mim nunca mais. Boa noite.

- Isso são horas? – minha mãe estava parada na porta do meu quarto. – Muito bonito! Brigando com seu irmão no meio da rua?!

- Agradeça ao seu marido!

- Deixa eu ver esse machucado!

- Não – me afastei e em seguida abri a porta do meu quarto. – Vai cuidar do seu preferido que você ganha mais.

E dizendo isso eu entrei e passei a chave na porta.

- Caio? – Fátima começou a bater na madeira. – Abre essa porta! Deixa eu ver esse rosto, menino!

- Não precisa ver nada! Já disse pra você cuidar do Cauã, que é seu filho preferido! Deixa que eu me viro sozinho.

Ela insistiu por mais alguns minutos, mas eu não cedi. Caí na cama e chorei de tanta raiva que estava sentindo. Eu não estava mais aguentando aquela pressão e não sabia até quando suportaria aquilo tudo.

Quando cheguei no colégio na manhã seguinte, Víctor foi ao meu encontro e ficou espantado quando viu o corte no meu lábio inferior:

- O que é isso na sua boca?

- Briguei com o Cauã!

- Por quê?

- Ah, depois eu te explico!

- Está tudo bem?

- Mais ou menos...

- São seus pais, não é?

- Uhum.

- Olha, Caio, eu vou entender se você não quiser mais falar comigo...

- Cala a boca, Víctor – eu bufei de raiva. – É claro que eu vou continuar falando com você!

- Sério?

- Claro! Eu não vou obedecer a ninguém. Eu mando na minha vida, eu sei o que é melhor pra mim.

Meu melhor amigo ficou tão feliz com as minhas palavras que me abraçou ali mesmo. Ouvi umas risadinhas ao meu redor quando isso aconteceu.

- É melhor a gente entrar – falei.

- Eu só vou ao banheiro primeiro e a gente se encontra na sala.

- Beleza – concordei.

Saí andando e antes mesmo de chegar na sala de aula, fui abordado pela minha amiga Amanda, que também questionou o que acontecera com meu rosto:

- O que você fez na boca?

- Briguei com o Cauã!

- Por isso ele não veio hoje?

- Sei lá! Nem sabia que ele tinha faltado. Talvez esteja atrasado.

- Deixa isso pra lá! Eu tenho uma novidade pra você.

- Que novidade?

- Sabe a Joyce?

- Sei sim. Que é que tem ela?

- Ela veio falar comigo. Disse que está a fim de ficar com você.

Senti meu rosto queimar.

- Sério?

- Uhum. E aí? O que eu digo?

- Ah, sei lá... Não sei se é uma boa ideia.

- Por que não? Não gosta dela?

- Não é isso, Amanda. Eu só estou tranquilo. Entende?

- Ah, Caio... Coitada! Ela é tão legal...

- Eu vou pensar.

- O que eu digo pra ela?

- Nada. Por enquanto.

Voltei a andar e quando entrei na minha sala, vários amigos do Cauã ficaram rindo da minha cara. Isso fez meu sangue subir pra cabeça rapidinho.

- Bando de idiotas – falei comigo mesmo.

- Falando sozinho? – Víctor apareceu atrás de mim de repente.

- Que susto, cara! Quer me matar do coração?

- Não! Ei, você pensou sobre o que aconteceu ontem?

- Sinceramente? Não!

- Nossa... Que sinceridade!

- Preferia que eu mentisse pra você?

- Não...

- Então não reclame.

Durante toda a aula, fiquei acompanhando de longe os olhares que a turma do Cauã me lançava. Vez ou outra, um deles segurava uma risada e eles não paravam de falar entre si. O que estariam pensando ao meu respeito?

Coloquei a mente pra funcionar e lembrei do diálogo que tive com meu gêmeo no dia anterior. Ele disse com muita certeza que eu era gay... E como ele podia ter tanta certeza daquele jeito?

Não poderia ser apenas um “sexto sentido”. Ele deveria saber de alguma coisa. Mas como? O único que sabia que eu curtia a fruta era o Víctor e eu tinha certeza que ele não tinha falado nada pra ninguém. Ou eu estava enganado?

Será que eu estava enganado? Será que o Víctor tinha aberto a boca e tinha contado o meu segredo pro Cauã? E se aquilo tivesse realmente acontecido?

Não pude acreditar nos meus pensamentos, mas era a única coisa que fazia sentido naquele momento! Quem mais poderia falar a não ser o Víctor? Ninguém!

- Que cara é essa? – ele perguntou, no meio da aula.

- Não é da sua conta! – resmunguei.

Só podia ter sido o Víctor... meu melhor amigo... que decepção...

Fiquei tão irritado com tudo o que estava acontecendo que acabei falando pra Amanda pedir pra Joyce me encontrar na frente da biblioteca no intervalo. Eu ia ficar com ela e ia fazer isso com o único intuito de manter a minha imagem de heterossexual. Eu não ia deixar ninguém tirar conclusões ao meu respeito, muito menos a turminha do meu irmão gêmeo!

E quando chegou a hora do intervalo, o Víctor tentou se aproximar de mim, mas eu cortei o barato dele rapidinho:

- Me solta – dei um pulo pra trás. – Não fica perto de mim não...

- Nossa, amigo... o que aconteceu? Isso tudo é pelo que houve ontem?

- Não sei! Por que você não pensa um pouco e tira as suas próprias conclusões?

Saí ao encontro da menina e notei que ela já estava me esperando no local combinado. Joyce estava bonita naquele dia.

- Oi – falei.

- Oi! Tudo bem? Nossa, o que aconteceu com seu lábio?

- Eu tive uma briga com meu irmão.

- Por isso ele não veio hoje?

- Acho que sim.

- Mas está tudo bem?

- Sim, sim. Não se preocupe.

Trocamos algumas palavras e quando o assunto acabou, eu comecei a beijá-la. Não era a primeira vez que eu ficava com uma garota e novamente não senti nada. Absolutamente nada.

Pronto! Estava feito. Eu estava ficando com uma garota. Eu tinha certeza que à partir daquele momento, ninguém falaria nada ao meu respeito. Pelo menos eu estava torcendo para que as coisas acontecessem desse jeito.

- Você beija muito bem – ela sorriu, quando o beijo acabou.

- Você acha?

- Tenho certeza!

- Obrigado! Você beija bem também. Vamos subir?

- Uhum.

Joyce e eu subimos as escadas pro corredor da salas de aulas de mãos dadas e quando íamos entrar, o Victor me puxou pelo braço e disse:

- Eu não acredito!

Não falei nada, simplesmente me soltei das garras daquele garoto e entrei na sala de aula. Nem ele e nem ninguém tinha o direito de se meter na minha vida.

Será mesmo que o Víctor tinha dito alguma coisa ao meu respeito pros garotos? E se eu estivesse fazendo um falso julgamento do meu melhor amigo? Mas e se eu estivesse certo?

Pelo sim e pelo não, era melhor eu continuar com meu joguinho. Eu ia continuar ficando com a Joyce e ia continuar dando gelo no Víctor até tirar aquela história a limpo. Eu só não sabia dizer por quanto tempo ficaria a mercê daquela situação.

Uma semana depois da briga com o Cauã ter acontecido, eu ainda não estava falando com ele e tampouco ele me dirigia a palavra.

- Até quando vocês vão ficar com essa criancice? – minha mãe estava nervosa

Nem me dei ao trabalho de responder.

- Do que você está falando? – meu irmão se fez de sonso.

- Não se faça de desentendido. Onde já se viu dois irmãos ficarem sem se dirigir a palavra? E ainda mais sendo gêmeos?

- Não sei no que isso pode interferir – eu falei.

- Antes eu tivesse sido filho único – ele provocou.

- Taí, nisso eu concordo com você... Você poderia ter sido filho único. Não entendo porquê nós temos que ser gêmeos!!!

- Porque é da vontade de Deus – disse a minha mãe.

- Que baboseira – Cauã estava sem paciência.

- Não duvide dos desígnios de Deus, Cauã.

- Ai que papinho retrógrado – ele levantou da mesa.

- Vou pra escola que eu ganho mais –resmunguei.

- Desde que não vá comigo, você faz o que quiser – meu irmão me fuzilou com os olhos.

- Pode ficar bem tranquilo. Eu não pretendo ir com você. Sei bem qual é o caminho do colégio.

- Pelo menos nisso a gente concorda...

Deixei ele pra trás e saí de casa. A manhã estava um pouco gélida naquele dia.

- Bom dia – Joyce foi correndo me cumprimentar com um beijo.

- Bom dia, lindinha – ela era lindinha, mas eu não gostava dela como mulher.

Joyce me deu um beijo apaixonado.

- Quer almoçar em casa hoje?

- Não – respondi de imediato.

- Direto você.

- Ah, acho que ainda é cedo pra isso.

- Hum...

- Não vai me levar a mal, não né?

- Não, é claro que não.

- Vamos entrar? – indaguei.

- Seu irmão não para de olhar pra gente.

- Deixa aquele idiota pra lá.

- Ainda estão brigados?

- Qual a novidade? Nós sempre brigamos.

- Então vamos entrar.

Quando eu entrei no banheiro masculino, dei de cara com o Víctor. Nós nos olhamos por um tempo e depois ele questionou:

- Não vai falar comigo?

- Quando você resolver abrir a boca e me contar o que você andou espalhando ao meu respeito, quem sabe eu volte a falar com você.

- Mas eu não espalhei nada, Caio. Ou você acha que eu saí espalhando por aí o que você me contou?

- Eu realmente espero que não.

- Anda, volta a falar comigo... eu gosto tanto de você...

E eu também gostava dele.

- Tudo bem. Eu volto a falar com você, mas se eu souber que você está espalhando alguma coisa ao meu respeito, você vai se ver comigo!

Ele abriu um sorriso enorme.

- Não confia em mim?

- Pois é, não o suficiente.

- Então eu vou te mostrar que você pode confiar em mim...

- Só quero ver.

- Quando você vai largar a Joyce e ficar comigo?

- Olha aí. Tá vendo porquê eu não confio em você?

- Desculpa – ele fez uma carinha de triste. – Prometo que vou me policiar.

- Assim espero.

UMA SEMANA DEPOIS...

Eu salvei o meu trabalho em uma pasta e resolvi navegar um pouco pela internet. Li meus e-mails, respondi meus“scraps” do Orkut e em seguida, fucei em algumas comunidades da rede social.

Não detive a minha curiosidade e desejo e acabei entrando em uma comunidade gay. Meu coração disparou quando vi aquelas fotos e algo dentro da minha cueca deu sinal de vida.

- Está se divertindo? – ouvi a voz do meu pai atrás de mim e automaticamente senti meu coração parar de bater e um iceberg descer pela minha coluna dorsal.

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